sexta-feira, 14 de agosto de 2009

"As pessoas querem aprender a nadar e ter um pé no chão ao mesmo tempo..."


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Certo dia, o escritor francês Marcel Proust respondeu a um questionário, que foi oferecido aos convidados de uma festa da alta-roda parisiense. Dizem que gostou tanto das perguntas, que o modelo foi batizado com o seu nome; segundo outra versão, a partir daquele momento, Proust começou a interessar-se pelo assunto e fez mudanças significativas nas questões. De convicto mesmo, só o fato de já terem sido respondidas por grandes artistas e escritores.

Quando minha amiga mandou o email com o questionário, disse em síntese: “Olha, até Drummond e o Manuel Bandeira já responderam!” tentando soar persuasiva.

Depois da sabatina, fiquei a pensar na antítese criativa, que só gênios como Proust são capazes de oferecer.
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O questionário pode ser um passatempo divertido. Mas se prefere algo "denso", há ainda a alternativa intelectualmente instigante de "No Caminho de Swann", "As Sombras das Raparigas em Flor", "O Caminho de Germantes", "Sodoma e Gomora", "A Prisioneira", "A Fugitiva" e "O Tempo Reencontrado", os sete volumes de romances que formam o épico "Em Busca do Tempo Perdido".
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Leitura Proustiana para todos os gostos e estados de espírito.
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1. Qual é a sua maior qualidade?
Lealdade.
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2. E seu maior defeito?
Incapacidade de síntese e assertividade, coisa de quem economiza a palavra dita.
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3. A característica mais importante em um homem?
Masculinidade.
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4. E em uma mulher?
Feminilidade.
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5. O que você mais aprecia nos seus amigos?
A diferença.
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6. Sua atividade favorita é…
Ler, cozinhar, nadar, fotografar...
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7. Qual a sua ideia de felicidade?
Auto-conhecimento. Amigos. Uma estante de livros em madeira, com o pé direito tão alto que exija uma escada. Passar pelos anos de mãos dadas com alguém. Casa com flores, ruídos, cozinha viva. Viagens sem destino.
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8. E o que seria a maior das tragédias?
Alguns acontecimentos fizeram-me rever o trágico. Por isso considero dramas pessoais uma contingência da vida. Menos trágicos que algumas cegueiras e alienações.
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9. Quem você gostaria de ser, se não fosse você mesmo?
Seria interessante saber o que se passava na cabeça do Leonardo da Vinci.
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10. E onde gostaria de viver?
Amsterdã ou Paris.
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11. Qual sua cor favorita?
Azul.
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12. Uma flor?
Orquídea.
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13. Um pássaro?
Beija-flor.
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14. Seus autores preferidos?
Clarice Lispector, James Joyce, Julio Cortázar, Simone de Beauvoir, Guimarães Rosa, Albert Camus, Susan Sontag, Marcel Proust...
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15. Os poetas que mais gosta?
Fernando Pessoa, Sylvia Plath, Rainer Maria Rilke, Drummond, Manuel António Pina, Manoel de Barros, Shakespeare, Florbela Espanca, Mario Quintana, Alejandra Pizarnik, João Cabral de Melo Neto...
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16. Quem são seus heróis de ficção?
Snoopy.
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17. E as heroínas?
Mafalda.
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18. Seu compositor favorito é…
Tom Jobim, Sebastian Bach e Beethoven.
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19. E os pintores que você mais gosta?
Caravaggio, Van Gogh, Marc Chagall, Leonardo da Vinci, Frida Kahlo, Michelangelo, Peter Paul Rubens, Renoir, Francisco de Goya, Rembrandt, Gustav Klimt, Toulouse-Lautrec, Edvard Munch...
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20. Quem são suas heroínas na vida real?
Clarice Lispector, pela inquietação.
Frida Kahlo, pela força.
Madre Tereza, pela humanidade.

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21. E quem são seus heróis?
Leonardo da Vinci, pela genialidade..
22. Qual sua palavra favorita?
Delicadeza.
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23. O que você mais detesta?
Indiferença.
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24. Quais são os personagens históricos que você mais despreza?
Adolf Hitler.
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25. Quais dons naturais você gostaria de possuir?
Telepatia.
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26. Como você gostaria de morrer?
Não penso a respeito, talvez dormindo.
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27. Qual seu atual estado de espírito?
Serve "o seu eterno estado de espírito"?
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28. Que defeito é mais fácil perdoar?
Defeitos não são da alçada dos perdões, e sim, da aceitação, quando possível.
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29. Qual é o lema da sua vida?
Não criei um ainda. Mas é recorrente a busca pelo entendimento dos meus “processos”. 
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"E, logo que o nosso chamado retiniu, na noite cheia de aparições para a qual só os nossos ouvidos se inclinam, um ruído leve – um ruído abstrato – o da distância surpresa – e a voz do ser querido se dirige a nós.
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É ele, é a sua voz que nos fala, que ali está. Mas como essa voz se acha longe! Quantas vezes não pude escutar senão com angústia, como se ante essa impossibilidade de ver, antes de longas horas de viagem, aquela cuja voz estava tão perto de meu ouvido, eu melhor sentisse o que há de decepcionante na aparência da mais doce aproximação, e a que distância podemos estar das pessoas amadas, no momento em que parece que bastaria estendermos a mão para retê-las...”

Marcel Proust, in: Em Busca do Tempo Perdido, vol. III.

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