sexta-feira, 21 de novembro de 2014

O amor é uma companhia...

Sunflowers (detail), Van Gogh, 1887
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O amor é uma companhia. 
Já não sei andar só pelos caminhos, 
Porque já não posso andar só. 
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa 
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo. 
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo. 
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar. 

Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela. 
Todo eu sou qualquer força que me abandona. 
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa.
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terça-feira, 18 de novembro de 2014

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

"... deve dar-se sem nada de volta, assim como o pensamento é dado na solidão em toda a excelência do seu excesso..."

Café Müller, Tanztheater Wuppertal Pina Bausch, de 1978
cena extraída do filme "Pina", direção de Wim Wenders, 2011
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Eu-te-amo. A figura não se refere à declaração de amor, à confissão, mas ao repetido proferimento do grito de amor.

Eu-te-amo não tem nuanças. Dispensa as explicações, as organizações, os graus, os escrúpulos. De uma certa forma - paradoxo exorbitante da linguagem -, dizer eu-te-amo é fazer como se não existisse nenhum teatro da fala, e é uma palavra sempre verdadeira (não tem outro referente a não ser seu proferimento: é um performativo).

(Embora seja dito milhões de vezes, eu-te-amo não está no dicionário; é uma figura cuja definição não pode exceder o título.)

A palavra (a palavra-frase) só tem sentido no momento em que eu a pronuncio: não há nela outra informação a não ser seu dizer imediato: nenhuma reserva, nenhum depósito do sentido. Tudo está no lançamento: é uma "fórmula", mas essa fórmula não corresponde a nenhum ritual; as situações em que digo eu-te-amo não podem ser classificadas: eu-te-amo é irreprimível e imprevisível.

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Roland Barthes, in: Fragmentos de um Discurso Amoroso.
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quinta-feira, 13 de novembro de 2014

O caramujo flor...

Manoel Wesceslau Leite de Barros, 19/12/1916 - 13/11/2014
© foto de Marcelo Buainain. s.d.
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Da viagem que direi?
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Tácito ajuste singular,
de que os outorgantes
somos eu e a bruma
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Ajuste segundo o qual
nascer equivale a ser exposto
num comboio
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E não se pode rescindir o ajuste.
Nem querelar da bruma.
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A. M. Pires Cabral.
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Língua de Brincar, direção de Lucia Castello Branco e Gabriel Sanna, 2007
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(a um Pierrô de Picasso)
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Pierrô é desfigura errante,
andarejo de arrebol.
Vivendo do que desiste,
se expressa melhor em inseto.
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Pierrô tem um rosto de água
que se aclara com a máscara.
Sua descor aparece
como um rosto de vidro na água.
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Pierrô tem sua vareja íntima:
é viciado em raiz de parede.
Sua postura tem anos
de amorfo e deserto
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Pierrô tem o seu lado esquerdo
atrelado aos escombros.
E o outro lado aos escombros.
.................
Solidão tem um rosto de antro.
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Manoel de Barros.
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domingo, 2 de novembro de 2014

"Por que chamas, a um ser humano (o meu mais ser humano), um objeto amado?"

Dialog, Rudolf Bonvie, 1973
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"Tudo está ainda mais incerto, mas sinto que agora alcancei um estado de tranquilidade interior: enquanto pudermos controlar nossos números telefônicos e não houver ninguém para atender continuaremos os três a correr para a frente e para trás ao longo destas linhas brancas, sem lugares de partida ou de chegada que façam pairar aglomerados de sensações e significados por sobre a univocidade de nossa corrida, libertos finalmente da espessura estorvadora de nossas pessoas e vozes e estado de espírito, reduzidos a sinais luminosos, único modo de ser apropriado a quem quer se identificar ao que está dizendo sem o zumbido deformante que a nossa presença ou a alheia transmite ao que dizemos.
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Verdade que o preço a ser pago é alto, mas temos que aceitá-lo: não podemos nos distinguir dos muitos sinais que passam por este caminho, cada um com um significado seu que permanece escondido e indecifrável, pois fora daqui não há mais ninguém capaz de nos receber e de nos entender."
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Italo Calvino, in: Os Amores Difíceis.
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