domingo, 9 de dezembro de 2018

"Ante este ímpeto de sons e de silêncio, ante tais gritos de furiosa paz, ante um furor tamanho de existir eterno..."

Maria, screenshot do filme Maria by Callas: in her own words
dir. Tom Volf, 2018
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Como se modulando neste espaço-tempo
que se desenha espaço em mero som contínuo
de um tempo trespassado,
a fina imarcessível
dor 
é timbre e andamento,
e proporção de altura
a desdobrar-se na serena angústia
de um nada preenchido.
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Intensamente.
Quietação.
Vácuo.
Tudo. 
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Canta o impossível.
Que voz humana
sustentaria
esta pressa alegre
ou a tensão suspensa
do lento sonho?
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Jorge de Sena.
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sexta-feira, 16 de novembro de 2018

"And so, like this flower, I persist — for what there may be in it..."

 Gelsomina, interpretada por Giulietta Masina, em A Estrada da Vida,  
dir. Federico Fellini, 1954
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Há dias que atravessamos deitados numa cama demasiado ampla para um só sonhador, completamente despertos, de rosto confundido entre cobertores, de corpo engessado, de futuro fraturado. Dói-nos tudo, tudo e mais alguma coisa, mas se nos perguntasse, responderíamos "nada em particular". E é verdade. 
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Bénédicte Houart.
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terça-feira, 2 de outubro de 2018

"Ainda assim, sei que preciso de alguma alegria imperecível..."

Affresco di Villa di Livia, Prima Porta, Museo Nazionale Romano, 30-20 a.C.  
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III
Quem sabe nosso sangue ainda virá
A ser do paraíso? Será a terra
O único paraíso possível?
O céu ainda será nosso aliado,
Na dor e no cansaço, quase igual
Em glória ao próprio amor imorredouro,
Não mais um muro indiferente e azul.
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VI
Não haverá morte no paraíso?
Não cairá a fruta madura? Os galhos
Hão de ficar para sempre carregados
Naquele céu perfeito e imutável,
E ao mesmo tempo semelhante ao mundo
Mortal, com rios que buscam sempre mares
Que nunca hão de tocar com lábios mudos?
De que servem as maças nessas margens?
Por que adoçar com ameixa aquelas praias?
Que triste, lá brilharem nossas cores,
Tecer-se a seda de nossas manhãs,
Soarem nossos violões insípidos!
A morte é a mãe de todo o belo, mística,
E no seu seio cálido sonhamos
A mãe terrena, insone, a nossa espera.
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Wallace Stevens, 
trechos do poema "Manhã de Domingo"
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quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Música para curar a alma: Lauryn Hill

Superstar, faixa do álbum "The Miseducation of Lauryn Hill", Columbia Records, 1998. 
o primeiro álbum solo e único de estúdio completou 20 anos de lançamento em agosto. 
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sábado, 14 de julho de 2018

terça-feira, 15 de maio de 2018

Música para curar a alma: Montserrat Figueras e Maria Cristina Kiehr


Troisième Leçon de Ténèbres à 2 Voix, Francois Couperin, c. 1714
Condutor e solista, Jordi Savall
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"... e para além dessa certeza que outro ritmo dá àquele de que as palavras têm sentido: lá onde ouvir e não-ouvir se igualam..."
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Jorge de Sena, in: Arte de Música.
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sexta-feira, 27 de abril de 2018

"Que alheias cicatrizes?"

The Play of Life (Self-portrait), Pierre Dubreuil, circa 1930
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Cheguei demasiadamente tarde
e já todos se tinham ido embora,
identidade, sujidade, eternidade.
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Comeram o meu corpo e
beberam o meu sangue; e pelo caminho, a minha biblioteca;
e escreveram a minha Obra Completa;
sobre, desapossado, eu.

Resta-me ver televisão,
votar, passear o cão
(a cidadania!). Prosa também podia,
e lentidão, mas algo (talvez o coração) desacertaria.

Pôr-me aos tiros na cara como Chamfort?
Dar e aforista ou ainda pior?
Mudar de cidade? Desabitar-me?
Pormodernizar-me? Experienciar-me?

Com que palavras e sem que palavras?
Os substantivos rareiam, os verbos vagueiam
por salões vazios e incendiados
entregando-se a guionistas e aparentados.

Cheira excessivamente a morte por aqui
como no fim de uma batalha cansada
de feridas antigas, e eu sobrevivi
do lado errado e pela razão errada.

Que dia? Que olhar?
(Beckett, Dias felizes)
Que feridas? Que estandar-
te? Que alheias cicatrizes?

Estou diante de uma porta (de uma forma)
com o como dizer? coração
(um sítio sem lugar, uma situação)
cheio de palavras últimas e discórdia.
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Manuel António Pina.
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domingo, 28 de janeiro de 2018

"...Como uma criatura humana, estou cansado, muito cansado..."

Twirling Wires, Roger Ballen, 2001
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Nasci em 1924. Se eu fosse um violino da minha idade
não seria dos melhores. Como vinho seria um cinco estrelas
ou vinagre. Como cachorro estaria morto. Como um livro
estaria me tornando caro, ou estaria abandonado num sebo qualquer.
Como uma floresta eu seria jovem; como uma máquina, ridículo.
Como uma criatura humana, estou cansado, muito cansado.

Nasci em 1924. Quando penso em criaturas humanas,
vejo apenas as que nasceram no ano em que nasci,
cujas mães trabalharam lado a lado com a minha
onde quer que estivessem, em hospitais ou casas escuras.

Hoje, no meu aniversário, gostaria de recitar
uma prece solene para vocês
cujas vidas já se curvaram sob o peso
das esperanças e das frustrações,
cujos feitos se apequenam, e cujos deuses se multiplicam –
vocês são todos irmãos da minha fé, companheiros
de meu desespero.

talvez vocês encontrem a paz duradoura,
os vivos em suas vidas, os mortos
em estarem mortos.

E quem quer que lembre melhor de sua infância
é o vencedor,
se é que há vencedores.

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Yehuda Amichai.
Trad. Pedro Gonzaga.
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quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

"La poesía terminó conmigo."

Nicanor Parra (05/09/1914 - 23/01/2018)
© foto de Hans Ehrmann, d.i
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Ha llegado la hora de retirarse
Estoy agradecido de todos
Tanto de los amigos complacientes
Como de los enemigos frenéticos
¡Inolvidables personajes sagrados!

Miserable de mí
Si no hubiera logrado granjearme
La antipatía casi general:
¡Salve perros felices
Que salieron a ladrarme al camino!
Me despido de ustedes
Con la mayor alegría del mundo.

Gracias, de nuevo, gracias
Reconozco que se me caen las lágrimas
Volveremos a vernos
En el mar, en la tierra donde sea.
Pórtense bien, escriban
Sigan haciendo pan
Continúen tejiendo telarañas
Les deseo toda clase de parabienes:
Entre los cucuruchos
De esos árboles que llamamos cipreses
Los espero con dientes y muelas.
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Nicanor Parra.
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quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Retrato do artista enquanto sujeito: Antonin Artaud

Antonin Artaud, poeta, ator, roteirista e diretor de teatro francês (1896-1948)
foto de © Man Ray, 1926
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"Eu falo da ausência de buraco, de uma espécie de sofrimento frio e sem imagens, sem sentimento, e que é como um choque indescritível de abortos."
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Antonin Artaud.
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