quinta-feira, 31 de maio de 2012

"Palabras degolladas, caídas de mis labios sin nacer..."

 Silence, Odilon Redon, 1900
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Palabras degolladas,
caídas de mis labios
sin nacer;
estranguladas vírgenes
sin sol posible;
pesadas de deseos,
henchidas...

Deformadoras de mi boca
en el impulso de asomar
y el pozo del vacío
al caer...
Desnatadoras de mi miel celeste,
apretadas en vosotras
en coronas floridas.

Desangrada en vosotras
—no nacidas—
redes del más aquí y el más allá,
medialunas,
peces descarnados,
pájaros sin alas,
serpientes desvertebradas...
No perdones,
corazón.


Alfonsina Storni.
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domingo, 20 de maio de 2012

Desenraizar-se...

 Roots, Frida Kahlo, 1943
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A aparência adere ao ser e somente a dor pode arrancá-los um do outro.
Quem tem o ser não pode ter a aparência. A aparência acorrenta o ser.
O curso do tempo arranca o parecer do ser e o ser do parecer, por violência.
O tempo manifesta que não é a eternidade.

É preciso desenraizar-se. Cortar a árvore e fazer dela uma cruz, e em seguida carregá-la todos os dias.

É preciso não ser eu, e menos ainda ser nós.
A cidade dá sentimento de estar em casa.
Ter o sentimento de estar em casa no exílio.
Estar enraizado na ausência de lugar.

Desenraizar-se social e vegetativamente.
Exilar-se de toda a pátria terrestre
Fazer tudo isso a outrem, a partir de fora, é um ersatz de descriação.
É produzir irrealidade.
Mas ao nos desenraizarmos buscamos mais realidade.
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Simone Weil, in: A Gravidade e a Graça.
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sexta-feira, 11 de maio de 2012

"como podes saber onde me circunscrevo, e de que modo me pode o teu desejo atingir?..."

 Lovers, Jarek Puczel, 2010
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Voz obstinada, por que insiste chamando
por um nome que não corresponde mais a mim?
Não é do meu propósito que fiques ao longe sozinha.
Nem tu sabes que espécie de saudade abrolha na noite
e como o silêncio tenta mover-se inutilmente,
quando diriges teus ímãs sonoros,
sondando direções!
Não é do meu propósito, ó voz obstinada,
mas da minha condição.
As aparências dispersaram-se de mim,
como pássaros:
que sol se pode fixar nesta existência,
para te definir a minha aproximação?
Minhas dimensões se aboliram nos limites visíveis:
como podes saber onde me circunscrevo,
e de que modo me pode o teu desejo atingir?
Eu mesma deixei de entender a minha substância;
tenho apenas o sentimento dos mistérios que em mim se equilibram.
Como podes chamar por mim como às coisas concretas,
e assegurar-me que sou tua Necessidade e teu Bem?
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Cecília Meireles.
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sexta-feira, 4 de maio de 2012

"Como isolar a alma se ela é corpo..."

The Reunion of the Soul and the Body, William Blake, 1808
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(...)
Quis possuir a alma
possuí-la um instante,
numa respiração
que a conjugasse
em suas potências
e fosse alma
em corpo atravessada.

Quis possuir a alma
mas de súbito
é uma conspiração
de antigos súditos
que a obriga sucumbir.
E é luz varando luz
de inerte vinco.

Quis possuir a alma,
a rebelião mais pura
de ser Deus
no Deus que me conjura.

Quis possuir a alma
como se um arado empurrasse
na soga deste instante
o corpo amado
para o corpo amante.

Quis possuir a alma
e a vislumbrei inteira
e alheia corpo adentro
como se alguma barca
fosse somente vento.

Fui condenado ao corpo.
Como isolar a alma,
se está morto?

Como isolar a alma
se ela é corpo
e sabe conluiar os elementos
de sua retração, seu desespero?

Mas o corpo transgride
onde fora trancado.
E é vivo o condenado,
mesmo se a alma já morreu
nos arredores.

Se o corpo não é seu,
alma estende
a renitência a outras,
entre as formas do céu
e dos planetas.

Eu tive a rebelião
de ser um corpo.
Fui condenado a Deus,
a seu estado mais feroz,
aquele que, de amor,
as coisas tremem
e as vozes não conseguem separar.
(...)

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Carlos Nejar.
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