sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Ressignificar...


Les Quatre Cents Coups, direção de François Truffaut, 1959
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"Eu deslizava rapidamente sobre tudo isso, mais imperiosamente solicitado, como estava, a procurar a causa dessa felicidade, do caráter de certeza com que ela se impunha, pesquisa outrora adiada. Essa causa, contudo, eu a adivinhara ao comparar essas várias impressões que me proporcionavam bem-estar e que, entre elas, tinham em comum a faculdade de serem sentidas, ao mesmo tempo, no momento atual e num momento passado – o ruído da colher no prato, a desigualdade das lajes, o gosto da madeleine -, até fazerem o passado permear o presente a ponto de me tornar hesitante, sem saber em qual dos dois me encontrava; na verdade, a criatura que então saboreava em mim essa impressão, saboreava-a naquilo que ela possuía em comum entre um dia antigo e o atual, no que possuía de extratemporal, era uma criatura que só aparecia quando, por uma dessas identidades entre o presente e o passado, podia achar-se no único ambiente em que conseguiria viver, desfrutar da essência das coisas, isto é, fora do tempo..."
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Marcel Proust, in: O Tempo Recuperado.
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quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Música para curar a alma: Elis Regina e Tom Jobim


Águas de Março, Especial Elis & Tom, Los Angeles, 1974
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A gravação faz parte do documentário "A Música Segundo Tom Jobim",
de Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim.
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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Mrs. Woolf

Virginia, Chiara Rizzolo, s.d.
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"Bem, diverti-me; sempre foi alguma coisa, pensou, olhando para os oscilantes vasos de pálidos gerânios. Um prazer desfeito em pó, pois era meio inventado, como muito bem o sabia; inventada aquela aventura com a moça; fabricada, como se fabrica a melhor parte da vida, pensou – como a gente se fabrica a si mesmo; a vida; como se inventa uma deliciosa diversão, e qualquer coisa mais. Era esquisito, e inteiramente verdade; tudo o que não se podia compartilhar… esvaía-se em pó..."
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Virginia Woolf, in: Mrs. Dalloway.
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domingo, 22 de janeiro de 2012

"Meus dias, mas que um passe e outro passe. Ficando eu sempre quase o mesmo, indo..."

City Square, Alberto Giacometti, 1948
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"Tenho a sensação de tentar ir a algum lugar, como se eu soubesse o que quero dizer, mas quanto mais longe vou, mais seguro me sinto de que o caminho rumo ao meu objetivo não existe. Tenho de inventar a estrada a cada passo e isso significa que nunca posso ter certeza de onde me encontro. Uma sensação de andar em círculos, de sempre voltar atrás pelo mesmo caminho, de partir em várias direções ao mesmo tempo. E mesmo que eu consiga fazer algum progresso, não estou nem um pouco convencido de que vá me levar aonde penso estar indo. Só porque vagamos sem rumo no deserto não significa que exista uma terra prometida..."
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Paul Auster, in: Invenção da Solidão.
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quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Transposição.

 The Red Vineyard (tilt-shift effect by Serena Malyon), Van Gogh, 1888
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Na manhã que desperta
o jardim não mais geometria
é gradação de luz e aguda
descontinuidade de planos.
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Tudo se recria e o instante
varia de ângulo e face
segundo a mesma vidaluz
que instaura jardins na amplitude
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que desperta as flores em várias
coresinstantes e as revive
jogando-as lucidamente
em transposição contínua.
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Orides Fontela.
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sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

"E assim como tu resides nessa gaiola, cingida, o vasto espaço que sobra de tua gaiola-ilha..."

Southern Gothic, Maggie Taylor, 2001
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Parece que vives sempre
de uma gaiola envolvida,
isenta, numa gaiola,
de uma gaiola vestida,
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de uma gaiola, cortada

em tua exata medida
numa matéria isolante:
gaiola-blusa ou camisa.
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E assim como tu resides

nessa gaiola, cingida,
o vasto espaço que sobra
de tua gaiola-ilha
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é como outra gaiola

igual que o mar: sem medida
e aberto em todos os lados
(menos no que te limita).
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Pois nessa gaiola externa

onde tudo tem cabida,
onde cabe Pernambuco
e o resto da geografia,
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três bilhões de humanidade

e até canaviais de usina
sei que se debate um pássaro
que a acha pequena ainda.
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Tal gaiola para ele

mais do que gaiola é brida;
como cárcere lhe aperta
sua gaiola infinita
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e lhe aperta exatamente

por essa parede mínima
em que sua gaiola-mundo
com a tua faz divisa.
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Contra essa curta parede

entre ti e ele contígua,
que te defende e para ele
é de força, se é camisa,
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todo o dia se debate

a sua força expansiva
(não de pássaro, de enchente,
de enchente do mar de Olinda).
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Por que ele a quem sua gaiola

de outros lados não limita,
deseja invadir o espaço
de nada que tu lhe tiras?
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por que deseja assaltar

precisamente a área estrita
da gaiola em que resides,
melhor: de que estás vestida?
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João Cabral de Melo Neto, in: Mulher Vestida de Gaiola.
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domingo, 8 de janeiro de 2012

"Nuvens me cruzam de arribação. Tenho uma dor de concha extraviada. Uma dor de pedaços que não voltam..."

Christina's World (detail), Andrew Wyeth, 1948
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Christina's World (detail 2), Andrew Wyeth, 1948
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Christina's World (detail 3), Andrew Wyeth, 1948
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Christina's World, Andrew Wyeth, 1948
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"Mas há mais alguma coisa… Nessas horas lentas e vazias, sobe-me da alma à mente uma tristeza de todo o ser, a amargura de tudo ser ao mesmo tempo uma sensação minha e uma coisa externa, que não está em meu poder alterar. Ah, quantas vezes os meus próprios sonhos se me erguem em coisas, não para me substituirem a realidade, mas para se me confessarem seus pares em eu os não querer, em me surgirem de fora, como o elétrico que dá a volta na curva extrema da rua, ou a voz do apregoador noturno, de não sei que coisa, que se destaca, toada árabe, como um repuxo súbito, da monotonia do entardecer!"


Bernardo Soares,
heterônimo de Fernando Pessoa, in:
O Livro do Desassossego
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segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

O pensamento materializado: mestres da fotografia, e a perspectiva do olhar humanizado (11)

Não por acaso, e nunca é... © Imagens Humanas, do fotógrafo João Roberto Ripper
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"Mas só há um mundo. A felicidade e o absurdo são dois filhos da mesma terra. São inseparáveis. O erro seria dizer que a felicidade nasce forçosamente da descoberta absurda. Acontece também que o sentimento do absurdo nasça da felicidade. “Acho que tudo está bem”, diz Édipo e essa frase é sagrada. Ressoa no universo altivo e limitado do homem. Ensina que nem tudo está perdido, que nem tudo foi esgotado. Expulsa deste mundo um deus que nele entrara com a insatisfação e o gosto das dores Inúteis. Faz do destino uma questão do homem, que deve ser tratado entre homens. Toda a alegria silenciosa de Sísifo aqui reside. O seu destino pertence-lhe".
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Albert Camus, in: O Mito de Sísifo.
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