sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

"E assim como tu resides nessa gaiola, cingida, o vasto espaço que sobra de tua gaiola-ilha..."

Southern Gothic, Maggie Taylor, 2001
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Parece que vives sempre
de uma gaiola envolvida,
isenta, numa gaiola,
de uma gaiola vestida,
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de uma gaiola, cortada

em tua exata medida
numa matéria isolante:
gaiola-blusa ou camisa.
.
E assim como tu resides

nessa gaiola, cingida,
o vasto espaço que sobra
de tua gaiola-ilha
.
é como outra gaiola

igual que o mar: sem medida
e aberto em todos os lados
(menos no que te limita).
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Pois nessa gaiola externa

onde tudo tem cabida,
onde cabe Pernambuco
e o resto da geografia,
.
três bilhões de humanidade

e até canaviais de usina
sei que se debate um pássaro
que a acha pequena ainda.
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Tal gaiola para ele

mais do que gaiola é brida;
como cárcere lhe aperta
sua gaiola infinita
.
e lhe aperta exatamente

por essa parede mínima
em que sua gaiola-mundo
com a tua faz divisa.
.
Contra essa curta parede

entre ti e ele contígua,
que te defende e para ele
é de força, se é camisa,
.
todo o dia se debate

a sua força expansiva
(não de pássaro, de enchente,
de enchente do mar de Olinda).
.
Por que ele a quem sua gaiola

de outros lados não limita,
deseja invadir o espaço
de nada que tu lhe tiras?
.
por que deseja assaltar

precisamente a área estrita
da gaiola em que resides,
melhor: de que estás vestida?
.
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João Cabral de Melo Neto, in: Mulher Vestida de Gaiola.
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