quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

"C´est un nouveau visage..."

Bibi Andersson e Liv Ullmann, em "Persona", 1966
direção de Ingmar Bergman
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Baralho a contragosto
Como cartas os rostos,
E todos me são caros.
Às vezes algum tomba,
Inútil procurá-lo.
Desaparece a carta.
Nada sei a respeito.
Entretanto era um rosto
Que eu amava, e tão belo.
Baralho as outras cartas.
O inquieto do meu quarto,
Ou seja, o coração,
A arder continua,
Não já por essa carta,
Por outra em seu lugar.
É um novo semblante.
E o baralho, completo,
Mas sempre desfalcado.
Eis tudo quanto sei,
E ninguém sabe mais.
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Jules Supervielle.
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domingo, 18 de dezembro de 2011

"... o consciente de mim é o esboço imperfeito daquilo que faço e sou: não me iguala..."

Self-Portrait, Pavel Filonov, 1911
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"... Lúcida, imóvel, deserta, a consciência se encontra entre as paredes; perpetua-se. Já ninguém a habita. Ainda agora alguém dizia eu, dizia minha consciência. Quem? Exteriormente havia ruas falantes, com cores e odores conhecidos. Restam paredes anônimas, uma consciência anônima. Eis o que há: paredes, e entre as paredes, uma pequena transparência viva e impessoal. A consciência existe como uma árvore, como um fragmento de relva. Está sonolenta, entedia-se. Pequenas existências fugitivas a povoam como pássaros em galhos. Povoam-na e desaparecem. Consciência esquecida, abandonada entre essas paredes, sob esse céu cinza. E eis aqui o sentido de sua existência: é que ela é consciência de ser de mais..."
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Jean-Paul Sartre, in: A Náusea.
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sábado, 17 de dezembro de 2011

"Nos meus olhos o tempo é uma cegueira. E a minha eternidade, uma bandeira aberta em céu azul de solidões..."

Sodade, Cesária Évora (27/08/1941 | 17/12/2011)
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Sem muito ânimo para ruminações sobre a inexorabilidade do tempo. Não tem jeito. Ele passa e leva tudo consigo. Vento forte que quebra a vidraça, estraçalha; a gente conserta, ou finge que conserta, até que acontece novamente. De todo modo, me resta a impressão de que o saldo é negativo. Perde-se gente como Sérgio Britto (29/06/1923 | 17/12/2011) e Cesária Évora, ao passo que criaturas medíocres parecem embalsamadas. Tempo, tempo, tempo... és um senhor impreciso!
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"Quem te indicou
Esse caminho longínquo?
Esse caminho
Para São Tomé
Saudade
Da minha terra de São Nicolau
Se me escreveres
Eu te escreverei
Se me esqueceres
Eu te esquecerei
Até ao dia
Que tu voltares"
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Sodade, tradução.
Música de Armando Zeferino Soares.
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quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

"... é uma lucidez vazia, como explicar?"

Victoria, Amedeo Modigliani, 1917
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Tenho pena de tudo quanto lida
Neste mundo, de tudo quanto sente,
Daquele a quem mentiram, de quem mente,
Dos que andam pés descalços pela vida.
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Da rocha altiva, sobre o monte erguida
Olhando os céus ignotos frente a frente,
Dos que não são iguais à outra gente,
E dos que se ensangüentam na subida!
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Tenho pena de mim... pena de ti...
De não beijar o riso duma estrela...
Pena dessa má hora em que nasci...
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De não ter asas para ir ver o céu...
De não ser Esta... a Outra... e mais Aquela...
De ter vivido e não ter sido Eu...
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Florbela Espanca.
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quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

"A ausência é um estar em mim..."

Man in a Boat, Ron Mueck, 2002
para seguir viagem... Yo-Yo Ma e Orquestra Sinfônica de Boston, "Silent Woods", de Antonín Dvořák
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"...Os vazios do homem, ainda que sintam
a uma plenitude...
contêm nadas, contém apenas vazios..."
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João Cabral de Melo Neto..

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segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Música para curar a alma: Caetano Veloso

"Cucurrucucú Paloma", de Tomás Méndez
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"...Oh! que penas tão fundas
e nunca remediadas,
as vozes dolorosas
que os poetas cantam!..."
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Federico García Lorca.
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domingo, 4 de dezembro de 2011

"Irrecuperável, a vida vaza. Ponham embaixo vasos e vasilhas! Todas as vasilhas serão rasas, parcos os vasos..."

L'Allegoria della vita umana, Guido Cagnacci, séc. XVII.
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O que é nossa inocência,
nossa culpa? Frágeis, somos,
vulneráveis. E de onde vem a
coragem: a pergunta sem resposta,
a resoluta dúvida –
muda chamando, surda ouvindo – que
no infortúnio, na morte mesmo,
encoraja outras ainda
e em sua derrota anima
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a alma a ser forte? Compraz-se
e com perspicácia vê
quem a mortalidade abrace
e no confinamento contra si
mesmo se volte, assim
como o mar que no abismo intenta ser
livre mas, incapaz de ser,
no ato de capitular
encontra seu perdurar.
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Quem no sentimento espera
assim age. O próprio pássaro,
que ao cantar se engrandece, acera
o corpo aprumado. Embora cativo,
seu poderoso trino
diz: o contentamento é humilde;
quão puro é o regozijo.
Isto é mortalidade,
isto é eternidade.

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Marianne Moore.
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sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Le Silence...

Magdalen with the Smoking Flame (detail), Georges de La Tour, 1640
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Largar o cobertor, a cama, o
medo, o terço, o quarto, largar
toda simbologia e religião; largar o
espírito, largar a alma, abrir a
porta principal e sair. Esta é
a única vida e contém inimaginável
beleza e dor. Já o sol,
as cores da terra e o
ar azul — o céu do dia —
­mergulharam até a próxima aurora; a
noite está radiante e Deus não
existe nem faz falta. Tudo é
gratuito: as luzes cinéticas das avenidas,
o vulto ao vento das palmeiras
e a ânsia insaciável do jasmim;
e, sobre todas as coisas, o
eterno silêncio dos espaços infinitos que
nada dizem, nada querem dizer e
nada jamais precisaram ou precisarão esclarecer.
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Antonio Cícero.
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