sábado, 7 de novembro de 2009

"O homem que diz "tô" não tá, porque ninguém tá quando quer..."


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Dia desses ao sair na companhia da senhora minha mãe, rascunhei no pensamento observações que ganharam revisão e acabamento.
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Às sete horas estávamos paradas no ponto de táxi. Do percurso até lá, mamãe reclamou da noite mal dormida ao gotejo da pia da cozinha. Havia acordado de mal humor, certamente. Ignorando aquela perigosa condição, disse-lhe: Mãe, só tem 'Santana'! Não gosto de carros baixos, quando solavancam minha coluna grita. Ela sorriu debochando: "Que garota insuportável!" Não absorvi como indelicadeza e logo pensei na lógica das mães, a de que os filhos beiram a meninice eterna, e nessa fase ninguém tem problemas de coluna!
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Dois minutos depois, um carro com amortecimento confiável. Não tivemos tempo para sentir o constrangimento de quem pega carona com um estranho. O taxista era um senhor de meia idade simpatissíssimo ouvindo Baden Powell às 7 da manhã! Sem solavancos e com a virtuosidade do Baden, olhei pela janela e o Rio estava lindo, já havia iniciado a onda de calor que se prolonga por esses dias. O seu João, deixou-nos em nosso destino e foi-se, logo nos primeiros acordes de 'Berimbau'. Essa foi por pouco, dois ou três sinais fechados que fossem: "Quem de dentro de si não sai! Vai morrer sem amar ninguém! O dinheiro de quem não dá. É o trabalho de quem não tem! Capoeira que é bom não cai! E se um dia ele cai, cai bem!..." 
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No carro, na recepção onde chegamos, presteza e boa educação. Já na rua, mesmo andando apressadas na intenção de seus afazeres, nesse tipo de rotina que nos cega do entorno, várias pessoas disseram-nos 'bom dia'. Pensei: como gentileza e educação suavizam a vida! Pelo menos a minha! Independente da instabilidade dos meus humores, não preciso de muito para que a rotina ganhe contornos leves.
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Educação. Respeito. Delicadeza. Bom humor. Gentileza. Atenção. O sorriso da Clarinha. Amigos. Idas ao cinema. O mar. A falta de pressa e os olhares atentos dos passeios a pé. Cozinhar. Fotografia. Crianças. Animais. Anciões andando de mãos dadas. Música. Aprender algo novo todos os dias. Escrever. Céu aberto com nuvens esparsas. Arpoador. Bilhetes em guardanapo de papel. Cheiros. Casais conversando durante as refeições. Observar. Conhecer novos lugares. Comer algo que se tem vontade. A lembrança que mantém histórias e pessoas vivas. Flores. Utilizar eletrodomésticos sem ler o manual de instruções. Livrarias e cafés. Nadar. Infância. Abraços....
 

Costumo reescrever essa lista quando troco de agenda todos os anos. Um auxílio a minha memória e um retrato das mudanças pelas quais passo. Hoje, subtraio mais do que adiciono. O que me dá a sensação de que a tal leveza que suaviza os meus dias é a própria vida, que num momento ou outro foi sobrecarregada de vícios, omissões e maus hábitos. Por favor, não confundir vida tocada em prosa de Badens, Vinícius e Chicos... com vida fácil. Não tem nada de facilidade em viver. Mas há a desmistificação, que nos liberta dos excessos, das atitudes condicionadas e relativiza as importâncias.
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Talvez eu pegue um Santana da próxima vez... quem sabe. 




Berimbau, Badi Assad e Toquinho
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