segunda-feira, 6 de abril de 2009

O Choro Copioso...

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Chorar me dói a cabeça
Incha-me os olhos
Relativiza a minha emoção e o meu pesar
 

Exorciza aquilo que não cabe em mim
Desopila o coração cansado
Molha minhas páginas em branco.
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Conforta-me, sobretudo
a salinidade, a transparência
e a produção sempre obsequiosa.
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Uma lágrima não pede nada em troca
Como não há escambo,
nada implica uma troca de gentilezas
Firma-se assim um trato,
Tomo-a para dançar com a mais resoluta verdade
e ela segue agradecida o seu caminho em vértice.




* * *

"Toda a parte mais inatingível de minha alma e que não me pertence - é aquela que toca na minha fronteira com o que já não é eu, e à qual me dou. TODA A MINHA ÂNSIA TEM SIDO ESTA PROXIMIDADE INULTRAPASSÁVEL E EXCESSIVAMENTE PRÓXIMA. Sou mais aquilo que em mim não é.

EU SÓ USO O RACIOCÍNIO COMO ANESTÉSICO. MAS PARA A VIDA SOU DIRETAMENTE UMA PERENE PROMESSA DE ENTENDIMENTO DO MEU MUNDO SUBMERSO. Agora que existem computadores para quase todo o tipo de procura de soluções intelectuais — volto-me então para o meu rico nada interior. E grito: eu sinto, eu sofro, eu me alegro, eu me comovo. Só o meu enigma me interessa. MAIS QUE TUDO, ME BUSCO NO MEU GRANDE VAZIO. Procuro me manter isolada contra a agonia de vi­ver dos outros, e essa agonia que lhes parece um jogo de vida e morte mascara uma outra realidade, tão ex­traordinária essa verdade que os outros cairiam de es­panto diante dela, como num escândalo. Enquanto isso, ora estudam, ora trabalham, ora amam, ora crescem, ora se afanam, ora se alegram, ora se entristecem.

A vida com letra maiúscula nada pode me dar, porque vou confessar que também eu devo ter entrado por um beco sem saída como os outros. PORQUE NOTO EM MIM, NÃO UM BOCADO DE FATOS, E SIM PROCURO QUASE TRAGICAMENTE SER. É uma questão de sobrevivência assim como a de comer carne humana quando não há alimento. Luto não contra os que compram e vendem apartamentos e carros e procuram se casar e ter filhos, mas LUTO COM EXTREMA ANSIEDADE POR UMA NOVIDADE DE ESPÍRITO. Cada vez que me sinto quase um pouco iluminada vejo que estou tendo uma novidade de espírito.

Olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. NÃO TEMOS ACEITO O QUE NÃO SE ENTENDE PORQUE NÃO QUEREMOS PASSAR POR TOLOS. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. NÃO TEMOS NENHUMA ALEGRIA QUE NÃO TENHA SIDO CATALOGADA. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. NÃO NOS TEMOS ENTREGUE A NÓS MESMOS, POIS ISSO SERIA O COMEÇO DE UMA VIDA LONGA E NÓS A TEMEMOS. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo.

Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar, mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer a sua contextura de ódio, de ciúme e de tantos outros contraditórios. TEMOS MANTIDO EM SEGREDO A NOSSA MORTE PARA TORNAR A VIDA POSSÍVEL. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. TEMOS DISFARÇADO COM O PEQUENO MEDO, O GRANDE MEDO MAIOR E POR ISSO NUNCA FALAMOS NO QUE REALMENTE IMPORTA. Falar no que realmente importa é considerado uma gaffe.

Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer “pelo menos não fui tolo” e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. TEMOS CHAMADO DE FRAQUEZA A NOSSA CANDURA. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia."



Clarice Lispector,
in: Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres.

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