segunda-feira, 8 de julho de 2013

"Nothing is mysterious, no human relation. Except love."

Susan Sontag, Henri Cartier-Bresson, Paris, 1972
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31/12/1957
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Sobre fazer um diário.
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É superficial entender o diário apenas como receptáculo dos pensamentos privados, secretos, de alguém — como um confidente que é surdo, mudo e analfabeto. No diário eu não apenas exprimo a mim mesma de modo mais aberto do que poderia fazer com qualquer pessoa; eu me crio.
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O diário é um veículo para o meu sentido de individualidade. Ele me representa como emocional e espiritualmente independente. Portanto (infelizmente) não apenas registra a minha vida real, diária, mas sim — em muitos casos  oferece uma alternativa para ela.
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Há muitas vezes uma contradição entre o sentido de nossas ações em relação a uma pessoa e o que dissemos que sentimos em relação a essa pessoa num diário. Mas isso não significa que aquilo que fazemos é superficial e só aquilo que confessamos para nós mesmos é profundo. Confissões, refiro-me a confissões sinceras, é claro, podem ser mais superficiais do que as ações. Tenho em mente agora aquilo que li hoje no diário de Harriet a meu respeito — aquela avaliação seca, injusta, impiedosa a meu respeito que conclui com ela dizendo que na verdade não gosta de mim mas que a minha paixão por ela é aceitável e oportuna. Deus sabe como isso magoa e me sinto indignada e humilhada. Raramente sabemos o que as pessoas pensam a nosso respeito (ou melhor, acham que pensam a nosso respeito)... Eu me sinto culpada por ter lido algo que não se destinava aos meus olhos? Não. Umas das principais funções (sociais) de um diário é exatamente ser lido escondido por outras pessoas, pessoas (como pais + amantes) sobre as quais o autor se mostrou cruelmente franco apenas no diário. Será que Harriet vai ler isto?
Escrever. É corruptor escrever com o intuito de moralizar, elevar os padrões morais das pessoas.
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Nada me impede de ser uma escritora, a não ser a preguiça. Uma boa escritora.
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Por que escrever é importante? Sobretudo por vaidade, eu suponho. Porque eu quero ser essa persona, uma escritora, e não porque exista alguma coisa que eu devo dizer. E no entanto por que não também isso? Com um pouco de construção do ego — como o fait accompli que este diário proporciona — eu vou superar as dificuldades para adquirir a confiam de que eu (eu) tenho algo a dizer, e que deve ser dito.
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Meu “eu” é insignificante, cauteloso, sadio demais. Bons escritores são egoístas ferozes, ao ponto mesmo da estupidez. Críticos sensatos corrigem os escritores — mas sua sensatez é parasítica da faculdade criativa dos gênios.
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Susan Sontag, in: Diários (1947-1963).
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