sexta-feira, 29 de abril de 2011

Correspondências: Vincent e Théo van Gogh

The Potato Eaters, Van Gogh, 1885
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E enquanto trabalho num quadro em que não se veem claridades de uma lâmpada à maneira de Dou¹ ou de van Schendel², talvez não seja inútil observar que uma das coisas mais belas dos pintores de nosso século foi pintar a obscuridade, que apesar de tudo é cor.
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Tenho esperança de que a pintura destes comedores de batata dará certo. Fora isto estou trabalhando num pôr de sol vermelho.
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Para pintar a vida do camponês, é preciso ser mestre em tantos temas. Que bom é isto sobre os personagens de Millet³: seu camponês parece ter sido pintado com a terra que semeia!
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[...] No que diz respeito aos comedores de batata, é um quadro que ficaria bem cercado de ouro, tenho certeza. Ficaria igualmente bem numa parede coberta por um papel que tivesse o tom profundo do trigo maduro.
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Caso ele não seja destacado do resto desta maneira, ele simplesmente nem deve ser visto.
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[...] As sombras foram pintadas com azul e uma cor dourada produz efeito sobre isto. Ontem eu o levei a Eindhoven na casa de um amigo que também pinta. Daqui a três ou quatro dias eu o terminarei lá, com um pouco de clara de ovo, e trabalharei ainda em certos detalhes... Como este amigo também trabalha a partir de modelos, ele também vê muito bem o que existe numa cabeça ou numa mão de camponês e, falando em mãos, ele me disse ter chegado a uma noção totalmente diferente de como fazê-las.
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Apliquei-me conscientemente em dar a ideia de que estas pessoas que, sob o candeeiro, comem suas batatas com as mãos, que levam ao prato, também lavraram a terra, e que meu quadro exalta portanto o trabalho manual e o alimento que eles próprios ganharam tão honestamente.
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Quis que ele fizesse pensar num modo de vida totalmente diferente do nosso, de gente civilizada. Assim, portanto, não desejo nem um pouco que todo mundo o ache nem sequer belo ou bom.
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[...] Mas quem preferir ver camponeses edulcorados que passe ao largo. Por mim, estou convencido que afinal obtêm-se melhores resultados pintando-os em sua rudeza que conferindo-lhes uma beleza convencional.
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Com sua saia e sua camisola azuis, cobertas de poeira e remendadas, e que sob o efeito do tempo, do vento e do sol tenham tomado os mais delicados matizes, uma camponesa é, na minha opinião, mais bonita que uma dama; que ela se vista como uma dama, e tudo que há de verdadeiro nela desaparece.
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[...] Se uma pintura de camponeses cheira a toucinho, a comida, a batatas, perfeito!
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VAN GOGH, Vincent. Cartas a Théo, Ed. L&PM, 2010.
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¹ Guerrit Dou, pintor barroco holandês do século XVII, discípulo de Rembrandt.
² Petrus van Schendal, pintor romântico belga do século XIX.
³ Jean-François Millet, pintor realista francês do século XIX .

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