sábado, 12 de outubro de 2013

"... criaturas que nascem repositórios de chão e de estrelas..."

City Lights, Charles Chaplin, 1931
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"Acho que foi minha inaptidão para o diálogo que gerou o poeta. Sujeito complicado, se vou falar, uma coisa me bloqueia, me inibe, e eu corto a conversa no meio, como quem é pego defecando e o faz pela metade. Do que eu poderia dizer, resta sempre um déficit de oitenta por cento. E os vinte por cento que consigo falar não corresponde, senão ao que eu não gostaria de ter dito, – o que me deixa um saldo mortal de angústia. Mesmo desde guri, no colégio, descobri essa barreira em mim, que não posso vencer. Sou um bom escutador e um vedor melhor. Mas só trancado e sozinho é que consigo me expressar. Assim mesmo sem linearidade, por trancos, por sugestões, ambíguo – como requer a poesia."
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"A incapacidade de agir também me mutila. Sou pela metade sempre, ou menos da metade. A outra metade tenho que desforrar nas palavras. Ficar montando, em versos, pedacinhos de mim, ressentidos, caídos por aí, para que tudo afinal não se disperse. Um esforço para ficar inteiro é que é essa atividade poética. Minha poesia é hoje e foi sempre uma catação de eus perdidos e ofendidos."
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"Enquanto o mundo parir uns tipos hipobúlicos feito, por exemplo, Fernando Pessoa, resguardados pela timidez e incapazes de uma ação – as palavras não morrerão. Essas criaturas não têm outra forma de ação que em cima das palavras. Obsessiva e sadicamente as trabalha, dobrando-as até seus pés, arrastando-as no caco de vidro, até que elas sejam eles mesmos. Até que elas deem testemunho da presença deles no mundo. Quase sempre criaturas que nascem repositórios de chão e de estrelas, só sabem fabricar poesias com palavras. E ainda outras que moram ruínas viçosas por dentro, se agarram nas palavras para sobreviver."
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Manoel de Barros.
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