quinta-feira, 12 de junho de 2014

"... Lá de fora é de dentro para quem olha..."

 Newman, Mark Rothko, 1949
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Esta vibração verde é uma planta envolta em ar
este verde é o ar que perfuma
este perfume é a linguagem da planta

Eu não sou nada
se não sou a planta 
o ar
a fragrância
e nada é nada
se não se vê que nada é nada
aqui
agora

Um menino brinca no gramado
escolhe uma árvore
outra
outra
vai de uma árvore até o meio do jardim
corre até outra árvore
até outra
volta ao centro

Um pássaro canta
e lá de fora
árvores menino e pássaro
não são isso

Lá de fora é 
de dentro
para quem olha como quem
luta
como quem
passa através de nenhum 
obstáculo

A prova mais dura
o salto que consiste em
ficar imóvel à margem da 
plenitude sem margens
que
(a plenitude)
não existe como imagem nem suporte

E então 
o menino chega até a árvore
e se entende que não havia pássaro cantando
que o canto era esse nome
que recebe esse ato
para quem está olhando como quem 
ama
como quem
vive
como quem
sabe que as árvores
a verde vibração
que é a planta
envolta em ar
o salvam de ser aquilo
que todo o resto insiste em dar-lhe
a partir de sapatos
mulheres
espetáculos
dias

O que olha é agora o olhado
mas o menino
escolhe novamente uma árvore
corre e retorna
e outra vez corre e volta

O olhado fica para lá
e o que olhava volta a ser aquele que olha

Até que algum dia quem sabe
Até que não haja retorno
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Julio Cortázar.
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