quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

"A vida es acto que conoce y cada acto, introducción al otro no saber. La inteligencia y el instinto encienden fuegos en la noche. Pero es del infinito que estamos exiliados..."

Juan Gelman, 03/05/1930 - 14/01/2014
© foto de Daniel Mordzinski, s.d.
.
.
.
hoje chove muito, muito,
e parece que estão lavando o mundo
meu vizinho do lado contempla a chuva
e pensa em escrever uma carta de amor
uma carta à mulher que vive com ele
e cozinha para ele e lava a roupa para ele e faz amor com ele
e parece sua sombra
meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher
entra em casa pela janela e não pela porta
por uma porta se entra em muitos lugares
no trabalho, no quartel, no cárcere,
em todos os edifícios do mundo
mas não no mundo
nem numa mulher/nem na alma
quer dizer/nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos assim
como hoje/que chove muito
e me custa escrever a palavra amor
porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa
e somente a alma sabe onde os dois se encontram
e quando/e como
mas o que pode a alma explicar?
por isso meu vizinho tem tormentas na boca
palavras que naufragam
palavras que não sabem que há sol porque nascem e morrem na mesma noite em que amou
e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá
como o silêncio que há entre duas rosas
ou como eu/que escrevo palavras para voltar
ao meu vizinho que contempla a chuva
à chuva
ao meu coração desterrado.
.
.
Juan Gelman, do livro Isso, Ed. UNB, 2004.
.
.

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails