quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Correspondências: Florbela e Apeles Espanca

Irmãos Espanca, 1904
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Mano Peles¹,
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Lá vai a última e irrevogável cravadela: envio-te a conta da toilette que me oferecestes. Fui a um alfaiate pelintra para conseguir um preço razoável, e foi o que felizmente aconteceu.
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Como eu não podia dispor deste dinheiro, pedi emprestado ao meu cunhado Manuel, que é bom rapaz e que imediatamente a isso se prontificou; peço-te pois para, por toda esta semana, fazeres o favor de lhe entregar essa importância que ele me emprestou para o pagamento do vestido. Vai, ou manda por um moço ou pelo correio à Rua da Betesga 7 e 9; se ele não estiver, podes deixar a qualquer dos sócios da loja, que depois lhe entregam tudo. Não te esqueças, não? E mais uma vez obrigada; desejo que não seja a última vez que navegues até o Brasil para não ser a última toilette oferecida à mana pelintra².
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Quando apareces? Olha que eu moro na Rua Josefa d’Óbidos, 24-4º (à Graça), Lisboa.
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O vestido está fixe³, digno da mana dum mano fixíssimo. 
Beijos ao Peles urso e os mercis todos da Bela.
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P.S. – Se o mano Peles estiver tão pelintra como a mana pelintra, não pague nada, que eu quando puder saldarei a minha dívida e, mesmo assim, tudo está fixe.
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Beijos e abraços da Bela.
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¹ Peles era o apelido de Apeles Demóstenes da Rocha Espanca. O irmão mais novo da poetisa faleceu em 1927, quando o hidroavião que pilotava caiu no Rio Tejo.
² Pelintra, o mesmo que sem fundos.
³ Fixe, espécie de gíria para algo muito bom.
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