quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

"Nada é mais claro que o amor imerso em sua ilusão..."

Amour, de Michael Haneke, 2012
para seguir com fundo musical... Montserrat Figueras, Lamento della Ninfa, Madrigali Guerrieri et Amorosi, de Claudio Monteverdi
.
.
.
Difícil escrever sobre a experiência de assistir "Amour", sem cair no desagradável que são os tais spoilers. Talvez o mais importante a ser dito seja: não compre um livro pela capa. 
.
Num primeiro momento o espectador desavisado pode pensar: "Amour" é sobre tudo, menos amor. Familiarizada com a filmografia do diretor Michael Haneke, algo dizia que a experiência reservaria-me mais que meia dúzia de situações clichês.
.
Amor de interesses comuns, de companheirismo, de admiração, de afetividade, de gestos corriqueiros que ganham visibilidade num cenário de metáforas. Um piano. Móveis robustos de madeira forte, cd's comprados na "Virgin", discos, livros, muitos deles. Quadros. Álbuns de fotografia. Cenário de cozinha esmaecido. 
.
Amor que supunha sobreviver numa atmosfera minunciosamente preparada e preservada - como se costuma fazer com o que nos é caro - cruelmente aniquilado física e emocionalmente; sem concessões. Significâncias que hoje não passam de um mausoléu frequentado por pombos.
.
Amor ressignificado diante a precariedade do corpo, dos espaços e objetos de empréstimo, da perecividade, do desconhecido.
.
Amor sem abstrações, em estado bruto, mas ainda assim, e mais do que tudo, amour.
.
.
.
* * *
.
.
“O tempo, o tempo, esse algoz às vezes suave, às vezes mais terrível, demônio absoluto conferindo qualidade a todas as coisas, é ele ainda hoje e sempre quem decide e por isso a quem me curvo cheio de medo e erguido em suspense me perguntando qual o momento, o momento preciso da transposição? Que instante, que instante terrível é esse que marca o salto? Que massa de vento, que fundo de espaço concorrem para levar ao limite? O limite em que as coisas já desprovidas de vibração deixam de ser simplesmente vida na corrente do dia-a-dia para ser vida nos subterrâneos da memória...”
.
Raduan Nassar, in: Lavoura Arcaica.
.

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails