quarta-feira, 27 de junho de 2012

| Borderline |

Untitled (Blue Divided by Blue), Mark Rothko, 1966
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Nós o chamamos de grão de areia.
Mas ele mesmo não se chama de grão, nem de areia.
Dispensa um nome
geral, particular,
passageiro, permanente,
errado ou apropriado.
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De nada lhe serve nosso olhar, nosso toque.
Não se sente olhado nem tocado.
E ter caído no parapeito da janela
é uma aventura nossa, não dele.
Para ele é o mesmo que cair em qualquer coisa
sem a certeza de já ter caído,
ou de estar ainda caindo.
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Da janela há uma bela vista para o lago,
mas a vista não vê a si mesma.
Existe neste mundo
sem cor e sem forma,
sem som, sem cheiro, sem dor.
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Sem fundo o fundo do lago
e sem margem as suas margens.
Nem molhada nem seca a sua água.
Nem singular nem plural a onda
Que murmureja surda ao seu próprio murmúrio
ao redor de pedras nem grandes nem pequenas.
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E tudo isso sob um céu por natureza inceleste,
no qual o sol se põe na verdade não se pondo
e se oculta não se ocultando atrás de uma nuvem insciente.
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O vento a varre sem outra razão
que a de ventar.
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Passa um segundo.
Dois segundos.
Três segundos.
Mas são três segundos somente nossos.
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O tempo correu como um mensageiro com notícias urgentes.
mas isso é apenas um símile nosso.
Uma personagem inventada, a sua pressa imposta
e a notícia inumana.
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Wislawa Szymborska.
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