segunda-feira, 20 de junho de 2011

Variações sobre um mesmo tema: a impermanência

The Old Courtesan, Auguste Rodin, 1887, bronze in 1910



A força da gravidade derrubando as folhas das árvores já secas, enrugadas, esmaecidas. É outono e tudo é meio cinza, meio derradeiro... as cores primaveris e a força solar dos verões são estações passadas. Entretanto, em nenhum de seus ciclos, o perecer de uma folha é mais resiliente, apaziguante. Nessa altura, onde o inverno se aproxima, firma-se uma treguá com o tempo. Uma aceitação mútua de suas naturezas indissociáveis, porém dispares: a beleza da vida está para a efemeridade de viver.

Queremos do tempo, o próprio tempo; o sentido, as respostas, a inteireza, a eternidade, e ele só nos pede transcendência.



An Old Woman of Arles, Vincent Van Gogh, 1888



Living in Three Centuries, © foto de Mark Story, d.d



Old Woman With Ball Yarn, Marc Chagall, 1906



Portrait of an Old Woman, Pieter Bruegel, "the Elder", 1563



Old Woman, Christian Seybold,1749-1750



Study of a Man Aged 93, Albrecht Dürer,1521



Old Woman Dozing, Nicolaes Maes, 1656



Portrait of a Old Woman, Guido Reni, 1612



Head of an Old Woman, Orazio Borgianni,1610



Tornai-me a aparecer, entes imaginários,
que me enchíeis outrora os olhos visionários!
Poder-vos-ei fixar?... Tenho inda coração
capaz de se render à vossa sedução?...
Chegam... que densa turba! Envolve-me... Não posso
furtar-me ao seu triunfo. Eis-me, Visões, sou vosso.
Vai-se-me em névoa o mundo. Emanações sutis
que exalais, vem tornar-me aos anos juvenis.
Que imagens que trazeis de dias tão risonhos!...
Caras sombras! sois vós? aéreas como em sonhos?
Como recordação de lenda já perdida,
volve o amor, a amizade, e reassumem vida;
torna a dor a doer. Oh vida! oh labirinto!
de novo o mesmo sois. Já renascer me sinto.
Cá ’stão os bons d’outrora, entes que já gozaram
horas de ouro, e também... como elas se escoaram.
Não me hão-de ouvir agora os mesmos, bem o sei,
para quem noutro tempo os versos meus cantei.
Sumiu-se, aniquilou-se aquela amiga turba,
que nem com som mortiço os ecos já perturba.
Vibra meu canto agora a ignota multidão,
cujo aplauso, ai de mim! me aperta o coração;
e os a quem meu cantar outrora foi jucundo,
erram, se inda alguns há, dispersos pelo mundo.
Ai, plácida mansão, de espíritos morada!
revive na saudade, há tanto descorada!
Começa em vagos sons meu estro a palpitar,
qual de uma harpa eólia o triste delirar...
Já sinto estremeções; o pranto segue ao pranto,
e o duro coração se abranda por encanto.
O que foi, torna a ser. O que é, perde existência.
O palpável é nada. O nada assume essência.

Goethe, in: Fausto (prólogo).



Portrait of an Old Woman, Ilya Repin, 1870



Sir John Herschel, © foto de Julia Margaret Cameron, 1867



Old Man in Sorrow (On the Threshold of Eternity), Van Gogh, 1890



Portrait of a Woman Suffering from Obsessive Envy, Theodore Gericault, 1822



Vieille Femme Avec a Chapelet, Paul Cézanne, 1896



An Elderly Peasant Woman, Léon-Augustin L'hermitte, 1878



Old Woman Praying, Matthias Stom, 1640



Kazuo Ohno, © foto de Yoshihiko Ueda, d.d.



Judith Beheading Holofernes (detail), Caravaggio, 1598



Self Portrait Reflection, Lucian Freud, 2002



A velhice (tal é o nome que os outros lhe dão)
pode ser o tempo de nossa felicidade.
O animal morreu ou quase morreu.
Restam o homem e sua alma.
Vivo entre formas luminosas e vagas
que não são ainda a escuridão.
Buenos Aires,
que antes se espalhava em subúrbios
em direção à planície incessante,
voltou a ser La Recoleta, o Retiro,
as imprecisas ruas do Once
e as precárias casas velhas
que ainda chamamos o Sul.
Sempre em minha vida foram demasiadas as coisas;
Demócrito de Abdera arrancou os próprios olhos para pensar;
o tempo foi meu Demócrito.
Esta penumbra é lenta e não dói;
flui por um manso declive
e se parece à eternidade.
Meus amigos não têm rosto,
as mulheres são aquilo que foram há tantos anos,
as esquinas podem ser outras,
não há letras nas páginas dos livros.
Tudo isso deveria atemorizar-me,
mas é um deleite, um retorno.
Das gerações dos textos que há na terra
só terei lido uns poucos,
os que continuo lendo na memória,
lendo e transformando.
Do Sul, do Leste, do Oeste, do Norte
convergem os caminhos que me trouxeram
a meu secreto centro.
Esses caminhos foram ecos e passos,
mulheres, homens, agonias, ressurreições,
dias e noites,
entressonhos e sonhos,
cada ínfimo instante do ontem
e dos ontens do mundo,
a firme espada do dinamarquês e a lua do persa,
os atos dos mortos,
o compartilhado amor, as palavras,
Emerson e a neve e tantas coisas.
Agora posso esquecê-las. Chego a meu centro,
a minha álgebra e minha chave,
a meu espelho.
Breve saberei quem sou.

Jorge Luis Borges, in: Elogio da Sombra.
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