terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

A Single Woman...


"I Loves You Porgy",
Nina Simone, 1962
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Quando Nina Simone faleceu em 21 de abril de 2003, jazia com ela o fim de uma era das grandes divãs do jazz. Billy Holiday, Dina Washington, Sarah Vaughan e Ella Fitzgerald haviam de algum modo desbravado o sectarismo radical que não fazia questão de esconder-se atrás de eufemismos. Eram mulheres, negras, oriundas de famílias pobres e cantoras de jazz no período conturbado entre as décadas de 30 e 60.
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Algumas características as aproximam ou seria o universo jazzístico um meio fatídico? O fato é que Nina era megalomaníaca e irrascível demais para aceitar realidades que lhe fossem impostas. Não era introvertida como Ella ou autodestrutiva como Billy Holiday. Não que fosse de fácil trato, muito pelo contrário. Seu comportamento bipolar (mais tarde diagnosticado como esquizofrenia) rendeu-lhe uma mítica fama de “difícil”, “temperamental” e “aborrecida”.
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Nascida Eunice Kathleen Waymon, adotou o nome artístico para que pudesse cantar em clubes noturnos escondida dos pais. “Nina” veio do espanhol Niña e “Simone” de uma homenagem à atriz francesa Simone Signoret.
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Cantora de recursos inestimáveis, compositora, exímia pianista, foi também ferrenha ativista pelo movimento dos direitos civis. A música “Mississipi Goddamn” sobre o revoltante assassinato de quatro crianças negras numa igreja do estado do Alabama, em 1963, é considerada um hino anti-segregacional que notabilizou-a como uma espécie de musa de uma nova conscientização negra.
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A cantora gostava de pensar que era a encarnação de uma princesa egípcia. Aos súditos só cabe assentir. Nina Simone é rainha de qualquer dimensão visível e das invisíveis também


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Habitou-me um deus espesso.
Sangue cor de fígado.
Veneno talhado, macerado e amargoso.
Fez morada em cada célula.
Nos alvéolos, nas entranhas, sob as unhas.
Expande a veia do pescoço.
Sangra pelas gengivas.
Lateja nas têmporas e nos pulsos.
Planta arrancada da terra africana,
deita suas raízes fundas de baobá
e traz gosto de lama à boca.
Tem sabor atávico a relembrar
o lodo de que se originou o homem.
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Habitou-me um deus exigente,

que me fere e exaspera.
Que espezinha o que eu era.
Que fala o que eu não pensara
e, dizendo-me ao contrário,
faz-me gostar do calvário
que, às cegas, eu criei.
Nomeio que não tem nome:
Raio de Iansã, trovão, ciclone,

Sopro de Orixá, c´est moi

Nina Simone.
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Donizete Galvão, in: Solilóquio de Nina Simone.
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