California Kiss, Elliott Erwitt, 1955
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"Quando alguém está enamorado ou, mais precisamente, quando uma mulher está e além disso é no começo e o enamoramento ainda possui o atrativo da revelação, em geral somos capazes de nos interessar por qualquer assunto que interesse ou do qual nos fale quem amamos. Não só de fingir interesse para agradá-lo ou para conquistá-lo ou para marcar nossa frágil posição, mas também para prestar verdadeira atenção e nos deixar contagiar de verdade pelo que quer que ele sinta e transmita, entusiasmo, aversão, simpatia, temor, preocupação ou até obsessão (...). De repente nos apaixonam coisas a que jamais havíamos dedicado um pensamento, pegamos insuspeitas manias, prestamos atenção em detalhes que tinham nos passado despercebidos e que nossa percepção teria continuado omitindo até o fim dos nossos dias, centramos nossas energias em questões que só nos afetam vicariamente ou por feitiço ou por contaminação, como se decidíssemos viver numa tela ou num cenário ou no interior de um romance, num mundo alheio de ficção que nos absorve e distrai mais do que nosso mundo real, o qual deixamos temporariamente suspenso ou em segundo lugar, e de passagem descansamos dele (nada tão tentador como se entregar a outro, mesmo que só com a imaginação, e fazer nossos seus problemas e submergir em sua existência, que por não ser nossa é por isso mesmo mais leve). Talvez seja excessivo expressar a coisa assim, mas nós nos colocamos inicialmente a serviço de quem cismamos querer, ou pelo menos à sua disposição, e a maioria de nós faz isso sem malícia, isto é, ignorando que chegará um dia, se nos fortalecermos e nos sentirmos firmes, em que ele olhará desiludido e perplexo para nós ao verificar que na realidade não damos importância ao que antes nos suscitava emoção, que nos aborrece o que está nos contando, sem que ele tenha variado de temas nem que estes tenham perdido interesse. Será só que deixamos de nos esforçar em nosso entusiasmado amor inaugural, não que fingíssemos e fôssemos falsas desde o primeiro instante. Com Leopoldo nunca ouve um ápice desse esforço, porque tampouco houve um desse voluntarioso e ingênuo e incondicional amor (...)"
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Javier Marías, in: Enamoramentos.
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