sexta-feira, 25 de abril de 2008

Idas e vindas.

Spring at Barbizon, Jean-François Millet, 1868-1873
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"Para me refazer e te refazer volto a meu estado de jardim e sombra, fresca realidade, mal existo e se existo é com delicado cuidado. Em redor da sombra faz calor de suor abundante. Estou viva. Mas sinto que ainda não alcancei os meus limites, fronteiras com o quê? Sem fronteiras, a aventura da liberdade perigosa. Mas arrisco, vivo arriscando. Estou cheia de acácias balançando amarelas, e eu que mal e mal comecei a minha jornada, começo-a com um senso de tragédia, adivinhando para que oceano perdido vão os meus passos de vida. E doidamente me apodero dos desvãos de mim, meus desvarios me sufocam de tanta beleza..."
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Clarice Lispector, in: Água Viva.

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quarta-feira, 16 de abril de 2008

"Esquisse d'une théorie des émotions..."

The Martyrdom of St Matthew, Caravaggio, 1599-1600
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Em suas missivas, Dostoiévski divide o homem em ordinário e extraordinário. Alguns de meus pensamentos a respeito estão sendo fomentados pelo noticiário atual.

Ok, por formação minhas conceitualizações vão além... entretanto, me incomoda a linha tênue entre o racional e a bestialidade.

O pensamento racionalista nos impele a pôr em prática o que nos foi ensinado, subvencionado ou mesmo categorizado. Disso advêm nosso senso crítico e moral. Quando ocorre um desvio dessas didáticas ou mesmo a inadequação dessas leituras (questão de ordem patológica), resvalamos no ordinário, nas atitudes que geram ojeriza e incredulidade.

Não é simplista portanto, pensar que é ela – a moralidade (embasada sob os auspícios da religião, quer seja pela educação a que nos dispensaram) – o frágil limite a qual estamos expostos.

"Se Deus não existisse, tudo seria permitido"... sem limites de valores ou ordem que legitimem a nossa conduta sobre o que é certo e errado, ética, respeito ao direito alheio mesmo sendo ele o de coexistir; o homem estaria à deriva porque não encontraria em si, nem fora dele, a que agarrar-se. 
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sexta-feira, 4 de abril de 2008

"Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!"

Sleeping Head, Lucian Freud, 1980
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"Parte considerável de mim
Quer ser a parte que perdi
Parte de mim uma estrada
Invisível por onde ando
Parte considerável de mim
Procura incessante outro caminho
Parte quer achar o ninho
Resoluta parte do destino
E quer apagar a solidão
Parte considerável de mim
Quer chorar e sorrir
Parte de mim, uma parte que não fui
Parte espera há longos anos
Há tantos anos quantos sonhos
Parte de tantas parte um fio
Que me une e me impulsiona
A esta parte indissolúvel
Indescritível, indestrutível
De todas as partes que se foram
Partes ficaram e se aglutinam
Se amontoam e se refazem
Nesta parte a que eu mesmo
Não sabia pertencer
Nesta metamorfose
Sabe-se lá que parte acordará amanhã
E vai querer repartir meu destino
Espero pacientemente em parte...
Sem repartir as horas
Sem apagar os sonhos
Sem despedir ilusões
Sem cometer o afobo de partir
Sem a parte que acordará em mim."
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Carlos Gildemar Pontes.
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