sábado, 6 de julho de 2019

Canta a eternidade de mansinho, João.

João Gilberto (10/06/1931 - 06/07/2019)
© foto de Tom Copi, São Francisco, 1976
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A vida cotidiana é um instante
de outro instante que é a vida total do homem.
mas por sua vez quantos instantes não há de ter
esse instante do instante maior
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cada folha verde se move ao sol
como se perdurar fosse seu inefável destino
cada pardal avança a saltos imprevistos
como burlando-se do tempo e do espaço
cada homem se abraça a alguma mulher
como se assim agarrasse a eternidade
.
na realidade todas estas pertinácias
são modestos exorcismos contra a morte
batalhas perdidas com ritmo de vitória
réus obstinados que se recusam
a admitir a injusta punição
viventes que se fazem de distraídos
.
a vida cotidiana é também uma soma de instantes
algo assim como partículas de pó
que continuarão caindo em um abismo
e contudo cada instante
ou seja cada partícula de pó
é também um copioso universo
.
com crepúsculos e catedrais e campos de cultivo
e multidões e cópulas e desembarques
e bêbados e mártires e colinas
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e vale pena qualquer sacrifício
para que esse abrir e fechar de olhos
abarque por fim o instante universo
com um olhar que não se envergonhe 
de sua reveladora
efêmera 
insubstituível
luz
.
Mario Benedetti.
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