domingo, 1 de maio de 2016

"está tudo obscuro, está tudo obscuro em mim..."

János Derzsi, cena da obra-prima "O Cavalo de Turim", dir. Béla Tarr, 2011
.
.
.
Gostaria de descrever uma emoção simples
como alegria ou tristeza
mas não como os outros fazem
socorrendo-se de restos de chuva ou sol

Gostaria de descrever uma luz
que começa a nascer em mim
mas que sei não se assemelhar
a alguma estrela
pois não é tão brilhante
nem tão pura
e é incerta

Gostaria de descrever coragem
sem arrastar atrás de mim um velho leão
e também ansiedade
sem entornar um copo de água

para dizê-lo de outra maneira
desistiria de todas as metáforas
em troca de uma palavra
retirada do meu peito como uma costela
uma palavra
nascida dentro das fronteiras
da minha pele

mas aparentemente isso não é possível

e só para dizer – amo
eu ando às voltas como um louco
à procura de mãos cheias de pássaros
e a minha ternura
que apesar de tudo não é feita de água
pede água para a cara

e a raiva
diferente do fogo
pede-lhe emprestado
o tom eloquente

está tudo obscuro
está tudo obscuro
em mim
que homem de cabelo grisalho
irá separar de uma vez por todas
dizendo
isto é a essência
e isto é a matéria

adormecemos
com uma mão debaixo das nossas cabeças
e com a outra em inúmeros planetas

os nossos pés abandonam-nos
e entram na terra
com as suas pequenas raízes
que na manhã seguinte
arrancamos com dor.
.
.
Zbigniew Herbert.
.

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails