quarta-feira, 27 de abril de 2016

"... É isto a vida: algo que se ouviu num timbre momentâneo e sobreposto ao vácuo entre as palavras, para além do som ou do sentido..."

The Triumph of Music, Marc Chagall, 1967 
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A música é só música, eu sei. Não há
outros termos em que falar dela a não ser que
ela mesma seja menos que si mesma. Mas
o caso é que falar de música em tais termos
é como descrever um quadro em cores e formas e volumes, sem
mostrá-lo ou sem sequer havê-lo visto alguma vez.
Vejamo-lo, bem sei, calados, vendo. E se a música
for música, ouçamo-la e mais nada. No entanto,
nenhum silêncio recolhido nos persiste para além
de alguns minutos. E não dura na memória como
silêncio. Ou, se dura, esse silêncio cala
a própria música que adora. Porque a música
não é silêncio mas silêncio que
anuncia ou prenuncia o som e o ritmo.
Se os sons, porém, não são de devaneio,
e sim a inteligência que no abstracto busca
ad infinitum combinações possíveis bem que ilimitadas;
se tudo se organiza como a variada imagem
de uma ideia despojada de sentido;
se tudo soa como a própria liberdade dos acasos lógicos
que os grupos, e os grandes números, e as proporções
conhecem necessários; se tudo repercute como
em cânones cada vez mais complexos que não desenvolvem
um raciocínio mas o transformam de um si mesmo em si;
se tudo se acumula menos como som que como pedras
esculpidas em volutas brancas e douradas cujos
recantos de sombra são um trompe l’oeil
para que elas mais sejam em paredes curvas;
se uma alegria é força de viver e de inventar e de
bater nas teclas em cascatas de ordem;
e se tudo existiu na música para tal triunfo
e dele descende tudo o que de arquitectura
possa existir em notas sem sentido — COMO
não proclamar que essa grandeza imensa
não se comove com íntimos segredos (mesmo implica
que não haja segredo em nada que se faça
a não ser o espanto de fazer-se aquilo),
é como que uma cúpula de som dentro da qual
possamos ter consciência de que o homem é, por vezes,
maior do que si mesmo. E que nada no mundo,
ainda que volte ao tema inicial, repete
o que foi proposto como tema para
se transformar no tempo que contém. Quando, no fim,
aquele tema retorna não é para encerrar
num círculo fechado uma odisseia em teclas,
mas para colocar-nos ante a lucidez
de que não há regresso após tanta invenção.
Nem a música, nem nós, somos os mesmos já.
Não porque o tempo passe, ou porque a cúpula se erga,
para sempre, entre nós e nós próprios. Não. Mas sim porque
o virtual de um pensamento se tornou ali
uma evidência: se tornou concreto.
Um concreto de coisas exteriores — e o espanto é esse —
igual ao que de abstracto têm as interiores que o sejam.
Será que alguma vez, senão aqui,
aconteceu tamanha suspensão da realidade a ponto
de real e virtual serem idênticos, e de nós
não sermos mais o quem que ouve, mas quem é? A ponto de
nós termos sido música somente?
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Jorge de Sena.
Poema Bach: Variações Goldberg, do livro Arte de Música.
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Ouça as Variações para cravo compostas por Johann Sebastian Bach, em 1741, interpretadas por Glenn Gould.
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domingo, 24 de abril de 2016

Música para curar a alma: Ella Fitzgerald (2)

Ella Fitzgerald Sings The Cole Porter Songbook, 1956, Verve Records (Pt.1)
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Ella Fitzgerald Sings The Cole Porter Songbook, 1956, Verve Records (Pt.2)
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Nina Simone era uma força da natureza; Billie Holiday cantava como se estivesse em carne viva; Sarah Vaughan, com a melhor de todas as técnicas; mas Ella Fitzgerald era a própria música; e sua voz o mais harmonioso e afinado dos instrumentos.
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