domingo, 20 de julho de 2014

sexta-feira, 18 de julho de 2014

"tudo é muito eterno, só choramos por sermos condizentes..."

"Qualquer Coisa Que Brilhe", Adélia Prado
 programa Roda Viva, março de 2014
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Minha vida ganhou outros contornos quando aprendi a ler. Desde as primeiras palavras por meio das histórias em quadrinhos aos títulos exigidos na escola. Dos clássicos devorados no fim da adolescência aos livros de psicologia e filosofia. Todos, certamente, me disseram algo, contribuíram para um aprimoramento e enriquecimento não só cultural, mas sobretudo humano. No entanto, nenhum deles me ofereceu o entendimento, a beleza e a epifania que experimento através da POESIA. Não pretiro a prosa, absolutamente, mas é na poesia que eu encontro sentido e alivio para a rudeza do mundo, e o assombramento de viver.
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São eternos esta oficina mecânica,
estes carros, a luz branca do sol.
Neste momento, especialmente neste,
a morte não ameaça, tudo é parado e vive,
num mundo bom onde se come errado,
delícia de marmitas de carboidrato e torresmos.
Como gosto disso, meu deus!
Que lugar perfeito!
Ainda que volta e meia alguém morra, tudo é muito eterno,
só choramos por sermos condizentes.
Necessito pouco de tudo,
já é plena a vida,
tanto mais que descubro:
Deus espera de mim o pior de mim,
num cálice de ouro o chorume do lixo
que sempre trouxe às costas
desde que abri meus olhos,
bebi meu primeiro leite
no peito envergonhado de minha mãe.
Ofereço cantando, estou nua,
os braços erguidos de contentamento.
Sou deste lugar,
com tesoura cega cortei aqui o meu cabelo,
sedenta de ouro esburaquei o chão
atrás do que brilhasse.
Pois o encontro agora escuro e fosco
no dia radioso é único e não cintila.
Veio de vós. A vida. Do opaco. Do profundo de Vós.
Abba! Abba! Aceita o que me enoja,
gosma que me ocultou Teu rosto.
Vivo do que não é meu.
Toma pois minha vida
e não me prives mais
desta nova inocência que me infundes.
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Adélia Prado, in: Qualquer coisa que brilhe.
Miserere, Ed. Record, 2013.
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domingo, 6 de julho de 2014

"um abrangente e resumido aterro de sinônimos..."

Narcissus, after Caravaggio, Vik Muniz, 2005
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se o mundo não fosse
esse aterro de
máquinas
barbas
pilhas

débitos
prazos
e canetas
marca-texto

medos
dúvidas
e embalagens
tetrapak

se o mundo não fosse
um aterro de babacas
ou se o mundo não fosse
um abrangente
e resumido
aterro de sinônimos (...)
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Bruna Beber, Neighborhoods.
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