sábado, 27 de novembro de 2010

"como é que consegue, todos os dias e todas as horas, ser tão exatamente a mesma?"

The Hours, Philip Glass, por Branka Parlic
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[...]
Ela espia o relógio sobre a mesa. Passaram-se quase duas horas. Ainda se sente vigorosa, embora saiba que no dia seguinte talvez olhe para o que escreveu e ache tudo aéreo. Descomedido. É sempre melhor o livro que se tem na cabeça do que aquele que se consegue pôr no papel. Toma um gole do café frio e se permite ler o que escreveu até o momento.
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Parece bom o bastante; certos trechos parecem bem bons. Ela nutre esperanças fartas, é claro – quer que esse seja seu melhor livro, aquele que finalmente fará jus a suas expectativas. Mas será que um único dia na vida de uma mulher comum pode conter o suficiente para um romance?
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[...]
Virgínia larga a caneta. Gostaria de escrever o dia todo, de encher trinta páginas, em vez de três, mas, após as primeiras horas, alguma coisa lá dentro falha e ela receia, caso ultrapasse os limites, prejudicar toda a empreitada. Receia se perder num reino de incoerências, do qual talvez nunca mais retorne.
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Michael Cunningham, in: As Horas.
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quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Teoria do caos.

La Guerre, James Pradier, 1840-41
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"Poder e violência são opostos; onde um domina absolutamente, o outro está ausente". ¹
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La Prudence et la Justice, James Pradier, 1840-41
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A matemática é ingenuamente fácil:
Onde existe negligência de direitos, instalam-se o caos e a intolerância.

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O antídoto é dicotômico.
Em doses homeopáticas, claro.
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La Sagesse et l'Eloquence, James Pradier, 1840-41
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"A violência é por natureza instrumental; como todos os meios, ela sempre depende
da orientação e da justificação pelo fim que almeja. E aquilo que necessita de
justificação por outra coisa não pode ser a essência de nada." ²
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Hannah Arendt, in: Sobre a Violência ²
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terça-feira, 23 de novembro de 2010

De quando se enxerga o outro.

Charles Chaplin, Luzes da Cidade, 1931
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Passava das duas da manhã, havia consumido cinco taças de prosecco e me equilibrado em saltos assassinos, quando resolvi sentar numa mesa de canto. Não me aventurei naquela rodada de dança, o equilíbrio me faltava. Concentrei-me em observar os convidados ainda mais ‘desequilibrados’. Festas de casamento são tão curiosas. Acontecem às dezenas, todos os dias, e em detrimento do pensamento mais pessimista, geram as maiores expectativas.
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Alguns teorizam (especialistas inclusive) sobre a falência do sistema, ou como dizem, da instituição. Não consigo fazer uso de termos burocráticos para algo que lida com emoção, nem mesmo acreditar que uniões estão fadadas a ruir com os vícios do tempo.
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É tão ingênuo atribuir ao casamento os desgastes que rondam a vida a dois. É supervalorizá-lo. O convívio só potencializa o que estava inadequado desde o começo, mas que por um motivo ou outro não era visível. Dizem que a paixão turva a vista. Mas é sabido que sempre enxergamos os pequenos sinais, só fazemos vista grossa quando nos é conveniente. Pegamos caminhos mais longos, quando poderíamos abreviar, optamos pela refeição menos saudável, quando poderíamos poupar as artérias. Tudo pelo entusiasmo, mesmo fugaz, que aquele pequeno delito proporciona. A teia que une e desune as pessoas, funciona da mesma forma. Pense que a oferta diversa é a mesma que ratifica cada um de nós, o que chamam de personalidade. Como ‘ajustar’ uma a outra?
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Existe validade na teoria de que parte das uniões apaixonadas, acontece entre pessoas mais generosas e, outras que preferem ser o objeto da paixão, mais egoístas. Seria pensar que uma oferece, porque idealiza. E a outra recebe, porque dramatiza a relação. Penso que toda a celeuma acerca da dinâmica dos relacionamentos, culmina num mesmo princípio: Afinidades aproximam as pessoas, enquanto diferenças as afastam. Dividir o cotidiano quando os interesses e temperamentos divergem, aguça a irritabilidade, a insatisfação. Enquanto ‘falar a mesma língua’ implica em conhecer bem e entender a pessoa que se ama. Isso potencializa a intimidade, a cumplicidade, o respeito, a admiração, dando margem a solidez que vem da paz que se sente na presença do outro. No amor precisamos de apego, de amparo. Não de mudança, que é o que geralmente ocorre nas relações díspares. O amor não tem a necessidade de improvisação do sexo. Ele precisa de unidade. Estar em sintonia, por isso a parecença. Significa enxergar o outro não só como alguém que divide a vida, planos, o melhor e o pior do cotidiano, mas que possui expectativas, fragilidades, carências e sobretudo individualidade. Relações assim independem de rituais, têm a ver com a mágica de alguns encontros.
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Com a certeza de que presenciava um desses encantamentos, espanei as nuvens de pensamentos, retirei os sapatos e fui dançar. Sem desconforto e com aquela pontinha de alegria desmedida dos que bebem sem hábito.
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Cantiga de amor sem eira
nem beira,
vira o mundo de cabeça
para baixo,
Suspende a saia das mulheres,
tira os óculos dos homens,
o amor, seja como for,
é o amor.
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Meu bem, não chores,
hoje tem filme do Carlito!
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O amor bate na porta
o amor bate na aorta,
fui abrir e me constipei.
Cardíaco e melancólico,
o amor ronca na horta
entre pés de laranjeiras
entre uvas meio verdes
e desejos já maduros.
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Entre uvas meio verdes,
meu amor, não te atormentes.
Certos ácidos adoçam
a boca murcha dos velhos
e quando os dentes não mordem
e quando os braços não prendem
o amor faz uma cócega
o amor desenha uma curva
propõe uma geometria.
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Amor é bicho instruído.
Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.
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Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo corpos, vejo almas
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não ouso compreender...
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Carlos Drummond de Andrade, in: O Amor Bate na Aorta.
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domingo, 21 de novembro de 2010

"Quel était le refrain du jour?"


Les Mots D'amour, Edith Piaf
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Dans l'amour la vie a toujours

Un coeur léger et renaissant
Rien n'y pourra jamais finir
Demain s'y allège d'hier.
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Paul Éluard, in: Dans l'amour la vie a encore.
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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

"A noite me pinga uma estrela no olho e passa."

La nuit étoilée sur le Rhône, Van Gogh, 1888
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Noite caindo ... Céu de fogo e flores.
Voz de Crepúsculo exalando cores,
O céu vai cheio de Deus e de harmonia.
Silêncio ... Eis-me rezando aos fins do dia.
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Névoa de luz criando imagens na água,
Nome das águas esculpindo os céus,
Tarde aos relevos húmidos de frágua,
Boca da noite, eis-me rezando a Deus.
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Eis-me entoando, a voz de cinza e ouro,
— Oh, cores na água vindo às mãos em branco! —
Minha ópera de Sol ao último arranco.
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E, oh! hora mística em que o olhar abraso,
— Sol expirando aos Pórticos do Ocaso! —
Dobra em meu peito um oceano em coro.
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Afonso Duarte, in: Tragédia do Sol-Posto.
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domingo, 14 de novembro de 2010

"Panta rei os potamós..."

Heraclitus, Hendrick ter Brugghen, 1628
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“Se cada segundo de nossas vidas repete-se infinitas vezes, somos pregados à eternidade feito Jesus Cristo na cruz. É uma perspectiva aterrorizante. No mundo do eterno retorno, o peso da responsabilidade insuportável recai sobre cada movimento que fazemos. É por isso que Nietzsche chamou a idéia do eterno retorno o mais pesado dos fardos.
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Se o eterno retorno é o mais pesado dos fardos, então nossas vidas contrapõem-se a ele em toda a sua esplêndida leveza.
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Mas será o peso de fato deplorável, e esplêndida a leveza?
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O mais pesado dos fardos nos esmaga; sob seu peso, afundamos, somos pregados ao chão. E, no entanto, na poesia amorosa de todas as épocas, a mulher anseia por sucumbir ao peso do corpo do homem. O mais pesado dos fardos é, pois, simultaneamente, uma imagem da mais intensa plenitude da vida. Quanto mais pesado o fardo, mais nossas vidas se aproximam da terra, fazendo-se tanto mais reais e verdadeiras.
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Inversamente, a ausência absoluta de um fardo faz com que o homem se torne mais leve do que o ar, fá-lo alçar-se às alturas, abandonar a terra e sua existência terrena, tornando-o apenas parcialmente real, seus movimentos tão livres quanto insignificantes.
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O que escolheremos então? O peso ou a leveza?
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Parmênides levantou essa mesma questão no sexto século antes de Cristo. Ele via o mundo dividido em pares opostos: luz/escuridão, fineza/rudeza, calor/frio, ser/não-ser. A uma metade da oposição, chamou positiva (luz, fineza, calor, ser); à outra, negativa. Nós poderíamos achar essa divisão em um pólo positivo e outro negativo infantilmente simples, não fosse por uma dificuldade: qual é o positivo, o peso ou a leveza?
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Parmênides respondeu: a leveza é positiva; o peso, negativo.
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Tinha ou não razão? Essa é a questão. Certo é apenas que a oposição leveza/peso é a mais misteriosa, a mais ambígua de todas.”
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Milan Kundera, in: A Insustentável Leveza do Ser.
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sábado, 13 de novembro de 2010

Agenda: Aleksandr Ródtchenko, Carmina Burana, Itzhak Perlman e uma errata.

Lily Brik, © Foto de Aleksandr Ródtchenko, 1924
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O Instituto Moreira Salles expõe 300 obras do fotógrafo, pintor, designer gráfico e escultor, Aleksandr Ródtchenko. O desenvolvimento de inúmeras habilidades estéticas e de um notável senso de comunicabilidade, certamente conferem à produção de Ródtchenko, um caráter usualmente reconhecido como vanguardista. Das fotomontagens aos retratos de família e personalidades. Dos estudos arquitetônicos à documentação da vida política e social da então União Soviética, passando por Lênin e Stálin, uma produção das mais inovadores e profícuas.
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A mostra que já foi apresentada em Londres, Berlim e Amsterdã, é organizada pela Moscow House of Photography e tem a curadoria de Olga Svíblova, diretora do Museu.
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Exposição Aleksandr Ródtchenko: Revolução na Fotografia
Instituto Moreira Salles
Rua Marquês de São Vicente, 476, Gávea
De 5 de nov. de 2010 à 6 de fev. de 2011
Ter à sex, das 13h às 20h
Sáb, dom e feriados, das 11h às 20h
Entrada franca

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What I Am To You, Norah Jones, 2004
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Errata sobre o local do show da cantora Norah Jones nesta terça-feira.
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Vários veículos mencionaram a casa de espetáculos "Vivo Rio", no Flamengo (alguns ainda insistem nessa informação), não sei o porquê de tamanha confusão, mas a apresentação está confirmada no espaço "Oi Casa Grande", no Leblon.
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Show Norah Jones
Oi Casa Grande
Rua Afrânio de Melo Franco, 290, Leblon
Dia 16 de novembro, terça, às 21h
Ingressos:
Camarote: R$ 240,00
Platéia Vip: R$ 240,00
Platéia Setor 1: R$ 240,00
Balcão Setor 2 : R$ 240,00
Balcão Setor 3 filas I/J/K: R$ 220,00
Balcão Setor 3 filas L/M/N: R$ 190,00

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Update:
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Gosto de disponibilizar os programas da agenda com alguma antecedência, mas abro uma exceção, por que soube a pouco da segunda e última apresentação da "Ópera Carmina Burana", de Carl Orff, no Theatro Municipal. A informação tardia não me impedirá de ir, então penso ser válido compartilhar. Se a sua praia for mesmo o segmento erudito, o Municipal oferece mais do mesmo em apresentação única do maravilhoso violinista Itzhak Perlman. A indigestão fica por conta dos R$ 2.500,00 cobrados nas frisas ou camarotes.
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Ópera Carmina Burana
Theatro Municipal
Praça Marechal Floriano, s/n, Cinelândia
Dia 14 de novembro às 17h
Ingressos:
Frisa e Camarote: R$ 70,00
Plateia e Balcão Nobre: R$ 70,00
Balcão Superior: R$ 50,00
Galeria: R$ 18,00

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Concerto Itzhak Perlman
Theatro Municipal
Praça Marechal Floriano, s/n, Cinelândia
Dia 15 de novembro às 20h
Ingressos:
Frisa e Camarote: R$ 2.500,00
Plateia e Balcão Nobre: R$ 420,00
Balcão Superior: R$ 250,00
Galeria: R$ 120,00

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quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Entre tudo que há de incerto.

Girl in Black, Egon Schiele, 1911
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"Há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer,
nem há desembarque onde se esqueça..."
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Fernando Pessoa.
Trecho de carta escrita em março de 1916.
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terça-feira, 2 de novembro de 2010

O pensamento materializado: mestres da fotografia (6)

Marc Riboud, © foto de Karel Krizak
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No ensejo da exposição no Centro Cultural Justiça Federal, algumas imagens que fazem de Marc Riboud, um dos maiores fotográfos do século XX.

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© Marc Riboud, Bangladesh, 1971
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© Marc Riboud, The actress Gong Li, 1993
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© Marc Riboud, Turkey, 1955
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© Marc Riboud, Ghana, 1960
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© Marc Riboud, India, 1971
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© Marc Riboud, Huang Shan Mountains, 1985
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© Marc Riboud, Ghana, 1960
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© Marc Riboud, Shanghai, 2002
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© Marc Riboud, Museum of Prado, Madrid, 1988
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© Marc Riboud, Bangkok, 1969
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© Marc Riboud, Marcel Marceau, s.d.
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Exposição Marc RiboudCentro Cultural Justiça FederalAv. Rio Branco, 241, Centro
Gabinete de Fotografia - 1º andar
Ter à dom, das 12h às 19h
Até 05 de dezembro
Entrada Franca
Obs.: Entre os dias 05 de novembro e 28 de fevereiro, a Casa do Saber expõe mais 20 fotografias de Riboud.
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