domingo, 28 de março de 2010

Correspondências: Frida Kahlo e Diego Rivera

Frida Kahlo, © Foto de Nickolas Muray, 1939
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(...) Uma certa carta que descobri por acaso e que provinha de uma certa senhorita que mora na distante e feia Alemanha e que, imagino, deve ser aquela dama que Willi Valentiner achou por bem mandar se aventurar por aqui com fins “científicos, artísticos e arqueológicos”... me deixou absolutamente furiosa e, a bem da verdade, ciumenta... Porque sou tão suscetível e limitada e não consigo compreender que as cartas, os casos com o primeiro rabo de saia que aparece, as professoras de inglês, as modelos ciganas, as assistentes cheias de “boa vontade”, as aprendizes interessadas “na arte de pintar” e as “enviadas plenipotenciárias de regiões distantes” não passam de aventuras sem futuro e que, no fundo, eu e você, nós nos amamos ao extremo e, mesmo quando sofremos com os inúmeros pecadilhos um do outro, as portas batendo, os piores insultos e as solicitações internacionais, continuamos a nos amar. Creio que o problema é que eu sou um pouco brutal e um tantinho maliciosa, pois todas essas coisas que aconteceram e se repetiram ao longo dos sete anos em que vivemos juntos e todas as cóleras que senti, me levaram a compreender melhor que o amo mais que minha própria pele, inclusive se você não me amar do mesmo jeito: de todo o modo, você me ama um pouquinho... não é mesmo? E se isso não for verdade, sempre me resta a esperança de que venha a ser, e isso me basta...
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Ama-me um pouquinho.
Eu te adoro,
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Frida.

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KAHLO, Frida. Escrituras de Frida Kahlo por Raquel Tibol. Universidade Nacional Autônoma do México, 1999.
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* Desde que se conheceram em 1928, Frida e Diego mantiveram um casamento tumultuado, marcado por separações, relações extra-conjugais, inspiração mútua e... amor. Entre idas e vindas só se separam de fato quando Frida faleceu em 13 de julho de 1954.

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quinta-feira, 25 de março de 2010

"Pra que pensar?"

Melancholy, Edvard Munch, 1891
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Há muita coisa a dizer que não sei como dizer. Faltam as palavras. Mas recuso-me a inventar novas: as que existem já devem dizer o que se consegue dizer e o que é proibido. E o que é proibido eu adivinho. Se houver força. Atrás do pensamento não há palavras: é-se. Minha pintura não tem palavras: fica atrás do pensamento. Nesse terreno do é-se sou puro êxtase cristalino. É-se. Sou-me. Tu te és. E sou assombrada pelos meus fantasmas, pelo que é mítico, fantástico e gigantesco: a vida é sobrenatural. E caminho segurando um guarda-chuva aberto sobre corda tensa. Caminho até o limite do meu sonho grande. Vejo a fúria dos impulsos viscerais: vísceras torturadas me guiam. Não gosto do que acabo de escrever - mas sou obrigada a aceitar o trecho todo porque ele me aconteceu. E respeito muito o que eu me aconteçe. Minha essência é inconsciente de si própria e é por isso que cegamente me obedeço. Estou sendo antimelódica. Comprazo-me com a harmonia difícil dos ásperos contrários. Para onde vou? E a resposta é: vou."
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Clarice Lispector, in: Água Viva.
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sábado, 20 de março de 2010

Agenda: O sutil mestre japonês

Akira Kurosawa, (1910-1998)
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Começou hoje mais uma mostra de cinema na cidade. O homenageado da vez é o cineasta japonês Akira Kurosawa que completaria 100 anos no dia 23 de março. Serão exibidos 22 filmes até o dia 09 de abril. Entre eles, "Os Sete Samurais", "Rashomon", "Ran", "Rapsódia em Agosto" e o doce "Sonhos".
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Dono de um estilo perfeccionista e eclético, Kurosawa participava de várias etapas no processo de realização de seus filmes, que retratam desde o tradicionalismo da cultura japonesa à adaptações da literatura ocidental como Rei Lear (Ran, 1985) e Macbeth (Trono Manchado de Sangue, 1957). Universos distintos, mas ligados por seu olhar humanista e esteticamente belo.
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Dia 19 de março
16h Yojimbo (Yojimbo, Akira Kurosawa, Japão, 1961, 110 min)
20h Sanjuro (Tsubaki Sanjuro), Akira Kurosawa, Japão, 1962, 96 min)
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Dia 20 de março
14h Dersu Uzala (Dersu Uzala, Akira Kurosawa, Japão/ Rússia, 1975, 144 min)
19h Japão, uma viagem no tempo: Kurosawa, pintor de imagens, Walter Salles, Brasil, 1986, 60 min)
20h Anjo Embriagado (Yoidore Tenshi, Akira Kurosawa, Japão, 1948, 98 min)
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Dia 21 de março
16:30h Os Homens que Pisaram na Cauda do Tigre (Tora no o wo fumu Otokotachi, Akira Kurosawa, Japão, 1944, 60 min)
20h Yojimbo (Yojimbo, Akira Kurosawa, Japão, 1961, 110 min)
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Dia 23 de março
14h Escândalo (Shubun, Akira Kurosawa, Japão, 1950, 104 min)
16h O Idiota (Hakuchi, Akira Kurosawa, Japão, 1951, 166 min)
19h Japão, uma viagem no tempo: Kurosawa, pintor de imagens, Walter Salles, Brasil, 1986, 60 min)

20h Rashomon (Rashomon, Akira Kurosawa, Japão, 1950, 88 min)

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Dia 24 de março
14h Cão Danado (Nora inu, Akira Kurosawa, Japão, 1949, 122 min)
16h Anjo Embriagado (Yoidore Tenshi, Akira Kurosawa, Japão, 1948, 98 min)
19h Duelo Silencioso (Shizukanaru Ketto, Akira Kurosawa, Japão, 1949, 95 min)
20h Sonhos (Konna yume wo mita, Akira Kurosawa, Japão, 1990, 119 min)
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Dia 25 de março
14h Escândalo (Shubun, Akira Kurosawa, Japão, 1950, 104 min)
16h Céu e Inferno (Tengoku to Jigoku, Akira Kurosawa, Japão, 1963, 143 min)
20h Trono Manchado de Sangue (Kumonosu-jo, Akira Kurosawa, Japão, 1957, 110 min)
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Dia 26 de março
14h Homem Mau Dorme Bem (Warui Yatsu Hodo Yoko Nemuru, Akira Kurosawa, Japão, 1960, 151 min)
16:30h Dersu Uzala (Dersu Uzala, Akira Kurosawa, Japão/ Rússia, 1975, 144 min)

19h Japão, uma viagem no tempo: Kurosawa, pintor de imagens, Walter Salles, Brasil, 1986, 60 min)
* Sessão seguida de debate com Walter Salles

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Dia 27 de março
14h Kagemusha (Kagemusha, Akira Kurosawa, Japão, 1980, 180 min)
17:30h Rashomon (Rashomon, Akira Kurosawa, Japão, 1950, 88 min)
20h Sonhos (Konna yume wo mita, Akira Kurosawa, Japão, 1990, 119 min)
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Dia 28 de março
14h Dersu Uzala (Dersu Uzala, Akira Kurosawa, Japão/ Rússia, 1975, 144 min)
16:30h Os Sete Samurais (Schichinin no Samurai, Akira Kurosawa, Japão, 1954, 200 min)
20h Trono Manchado de Sangue (Kumonosu-jo, Akira Kurosawa, Japão, 1957, 110 min)
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Dia 31 de março
14h Homem Mau Dorme Bem (Warui Yatsu Hodo Yoko Nemuru, Akira Kurosawa, Japão, 1960, 151 min)
17h Kagemusha (Kagemusha, Akira Kurosawa, Japão, 1980, 180 min)
20h Não Lamento Minha Juventude (Waiga Seishun ni Kuinashi, Akira Kurosawa, Japão, 1946, 110 min)
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Dia 01 de abril
14h Viver (Ikiru, Akira Kurosawa, Japão, 1952, 143 min)
16:30h Ran (Ran, Akira Kurosawa, Japão, 1985, 162 min)
20h Japão, uma viagem no tempo: Kurosawa, pintor de imagens, Walter Salles, Brasil, 1986, 60 min)
A.K. Retrato de Akira Kurosawa (A.K Portrait d’Akira Kurosawa, Chris Marker, França, 1985, 75 min)
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Dia 02 de abril
14h Yojimbo (Yojimbo, Akira Kurosawa, Japão, 1961, 110 min)
16h Sanjuro (Tsubaki Sanjuro, Akira Kurosawa, Japão, 1962, 96 min)
18h Trono Manchado de Sangue (Kumonosu-jo, Akira Kurosawa, Japão, 1957, 110 min)
20h Cão Danado (Nora inu, Akira Kurosawa, Japão, 1949, 122 min)
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Dia 03 Dia de abril
14h A Fortaleza Escondida (Kakushi Toride No San-Akunin, Akira Kurosawa, Japão, 1958, 139 min)
16:30h Céu e Inferno (Tengoku to Jigoku)de Akira Kurosawa (Japão, 1963, 143 min)
19h Os Sete Samurais (Schichinin no Samurai)de Akira Kurosawa (Japão, 1954, 200 min)
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Dia 04 de abril
14h Ran (Ran, Akira Kurosawa, Japão, 1985, 162 min)
16h Madadayo (Madadayo, Akira Kurosawa, Japão, 1993, 134 min)
19h Kagemusha (Kagemusha, Akira Kurosawa, Japão, 1980, 180 min)
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Dia 06 de abril
14h Viver (Ikiru, Akira Kurosawa, Japão, 1952, 143 min)
17h A Fortaleza Escondida (Kakushi Toride No San-Akunin, Akira Kurosawa, Japão, 1958, 139 min)
20h Não Lamento Minha Juventude (Waiga Seishun ni Kuinashi, Akira Kurosawa, Japão, 1946, 110 min)
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Dia 07 de abril
14h Homem Mau Dorme Bem (Warui Yatsu Hodo Yoko Nemuru, Akira Kurosawa, Japão, 1960, 151 min)
17h Os Sete Samurais (Schichinin no Samurai, Akira Kurosawa, Japão, 1954, 200 min)
* Sessão seguida de debate com João Luiz Vieira.
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Dia 08 de abril
14h Madadayo (Madadayo, Akira Kurosawa, Japão, 1993, 134 min)
17h A Fortaleza Escondida (Kakushi Toride No San-Akunin, Akira Kurosawa, Japão, 1958, 139 min)
20h Trono Manchado de Sangue (Kumonosu-jo, Akira Kurosawa, Japão, 1957, 110 min)
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Dia 09 de abril
14h Cão Danado (Nora inu, Akira Kurosawa, Japão, 1949, 122 min)
16h Duelo Silencioso (Shizukanaru Ketto, Akira Kurosawa, Japão, 1949, 95 min)
18h Escândalo (Shubun, Akira Kurosawa, Japão, 1950, 104 min)
20h Rashomon (Rashomon), de Akira Kurosawa (Japão, 1950, 88 min)
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Retrospectiva Akira Kurosawa
Instituto Moreira Salles
Rua Marquês de São Vicente, 476, Gávea
Ter à sex, das 13h às 20h
Sáb, dom e feriados, das 11h às 20h
Ingressos: 10,00 (inteira), R$ 5,00 (meia)
De 19 de março à 9 de abril de 2010.
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"Corvos", um dos oito contos do filme "Sonhos"
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Se recordo quem fui, outrem me vejo,
E o passado é o presente na lembrança.
Quem fui é alguém que amo
Porém somente em sonho.
E a saudade que me aflige a mente
Não é de mim nem do passado visto,
Senão de quem habito
Por trás dos olhos cegos
Nada, senão o instante, me conhece,
Minha mesma lembrança é nada, e sinto
Que quem sou e quem fui
São sonhos diferentes.
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Ricardo Reis, heterônimo do Fernando Pessoa.
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sábado, 13 de março de 2010

Recorrências...

 A Torre de Babel, Pieter Brueghel (o velho), 1563.
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Edifiquei minha
casa sobre a
areia
Todo dia recomeço.
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Eunice Arruda.
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quinta-feira, 11 de março de 2010

Agenda: o cinema e o universo feminino...

Rita Hayworth, Gilda, 1946
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Ainda em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, o Centro Cultural Banco do Brasil exibe a mostra "Mulheres Alucinadas" um panorama da pluralidade feminina levada às telas. Oportunidade para rever algumas das maiores divas do cinema incorporando mulheres apaixonadas, fortes, obsessivas, revolucionárias e irresistivelmente contraditórias.
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Jane Fonda, Barbarella, 1968
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Dia 09 de março
17h Diário de uma Garota Perdida (Tagebuch einer Verlorenen, Direção: G. W. Pabst 116 min)
19h O Anjo Azul (Der Blaue Engel Direção: Josef Von Sternberg 94 min)
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Dia 10 de março
17h Dama do Outro Mundo (Belle of the Nineties, Direção: Leio Mc Carey 73 min)
19h A Mulher Satânica (The Devil is a Woman, Direção: Josef Von Sternberg 79 min)
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Audrey Hepburn, Bonequinha de Luxo, 1961.
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Dia 11 de março
17h Gilda (Gilda, Direção: Charles Vidor 111 min)
19h A Malvada (All About Eve, Direção: Joseph L. Mankiewicz 138 min)
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Dia 12 de março
15h30 Carmen Jones (Carmen, Jones Direção: Otto Preminger 104 min)
17h30 Lola Montés (Lola Montés, Direção: Max Ophus 106 min)
19h30 De Repente No Último Verão (Sunddenly, Last Summer, Direção: joseph L. Mankiewicz 112 min)
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Dia 13 de março
15h30 Madre Joana Dos Anjos (Matka Joanna od Aniolow, Direção: Jerzy Kawalerowicz 105 min)
17h30 Os Inocentes (The Innocents, Direção: Jack Clayton 99 min)
19h30 Bonequinha de Luxo (Breakfast at Tiffany’s, Direção: Blake Edwards 114 min).
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Monica Vitti, Deserto Vermelho, 1964
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Dia 14 de março
15h Cleópatra (Cleópatra, Direção: Joseph L. Mankiewicz 248 min)
19h30 Deserto Vermelho (Deserto Rosso, Direção: Micheangelo Antonioni 113 min)
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Dia 16 de março
17h Marnie – Confissões De Uma Ladra (Marnie, Direção: Alfred Hitchcock 130 min)
19h Persona – Quando duas Mulheres Pecam (Persona, Direção: Ingmar Bergman 84 Min)
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Catherine Deneuve, A Bela da Tarde, 1967
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Dia 17 de março
17h Barbarella (Barbarella, Direção: Roger Vadim 98 min)
19h Lua De Mel de Assassinos (The Honeymoon Killers, Direção: Leonard Kastle 108 min)

Dia 18 de março
17h O Amor (Szerelem, Direção: Károly Makk 88 min)
19h Trabalhos Ocasionais de Uma Escrava (Gelegenheitsarbeit einer Sklavin, Direção: Alexander Kluge 87 min)
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Marlene Dietrich, Anjo Azul, 1930
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Dia 19 de março
15h30 Betty Blue (Betty Blue, Direção: Jean-jacques Beinex 185 min)
17h30 Mulheres a Beira de um Ataque de Nervos (Mujeres al Borde de un Ataque de Nervios,
Direção: Pedro Almodóvar 89 min)
19h30 A Ultima Dança de Salomé (Salome`s Last Dance, Direção: Ken Russell 89 min)
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Dia 20 de março
15h30 Um Assunto de Mulheres (Une Affaire de Femmes, Direção: Claude Chabrol 108 min)
17h30 Rosalie Vai as Compras (Rosalie Goes Shopping, Direção: Percy Adlon 90 min)
19h30 A Garota da Fábrica de Caixas de Fósforos (TulitikkutehtaanTyttö, Direção:Aki Kaurismäki 72 min).
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Elizabeth Taylor, Cleópatra, 1963
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Dia 21 de março
16h30 Twin Peaks – Os Últimos Dias de Laura Palmer (Twin Peaks: Fire Walk With Me, Direção: David Lynch 135 min)
18h30 Corra Lola Corra (Lola Rennt, Direção: Tom Tykwer 81 min)
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Dia 23 de março
17h Lady Vingança (Chinjeolhan geumjass, Direção: Chan-wook Park 114 min)
19h Maldito Coração (The Heart is Deceitful Above All Things, Direção: Asia Argento 97 min)
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Dia 24 de março
17h Nome Próprio (Nome Próprio, Direção: Murilo Salles 120 min)
19h Anticristo (Antichrist, Direção: Lars Von Trier 109 min).
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Bette Davis, A Malvada, 1950.
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Mostra de Cinema "Mulheres Alucinadas"
Centro Cultural Banco do Brasil
Rua Primeiro de Março, 66, Centro
De 09 à 24 de março
Terça à domingo, das 10h às 21h
Entrada Franca.
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terça-feira, 9 de março de 2010

"Palavra d'agua pra qualquer moldura..."

The Langlois Bridge at Arles With Women Washing, Van Gogh, 1888
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Mergulhar a palavra suja em água sanitária,
Depois de dois dias de molho, quarar ao sol do meio dia.
Algumas palavras quando alvejadas ao sol
adquirem consistência de certeza,
por exemplo a palavra vida.
Existem outras e a palavra amor é uma delas
que são muito encardidas e desgastadas pelo uso,
o que recomenda esfregar e bater insistentemente na pedra,
depois enxaguar em água corrente.
São poucas as que ainda permanecem sujas
depois de submetidas a esses cuidados
mas existem aquelas.
Dizem que limão e sal tiram as manchas mais difíceis e nada.
Todas as tentativas de lavar a piedade foram sempre em vão.
Mas nunca vi palavra tão suja
como a palavra perda.
Perda e morte na medida em que são alvejadas,
soltam um líquido corrosivo
—que atende pelo nome de amargura—
capaz de esvaziar o vigor da língua.
Nesse caso o aconselhado é mantê-las sempre de molho
em um amaciante de boa qualidade.
Agora se o que você quer
é somente aliviar as palavras do uso diário,
pode usar simplesmente sabão em pó e máquina de lavar.
O perigo aqui é misturar palavras que mancham
no contato umas com as outras.
A culpa, por exemplo, mancha tudo que encontra
e deve ser sempre clareada sozinha.
Uma mistura pouco aconselhada é amizade e desejo,
já que desejo sendo uma palavra intensa, quase agressiva,
pode, o que não é inevitável,
esgarçar a força delicada da palavra amizade.
Já a palavra força cai bem em qualquer mistura.
Outro cuidado importante é não lavar demais as palavras
sob o risco de perderem o sentido.
A sujeirinha cotidiana quando não é excessiva
produz uma oleosidade que conserva a cor
e a intensidade dos sons.
Muito valioso na arte de lavar palavras
é saber reconhecer uma palavra limpa.
Para isso conviva com a palavra durante alguns dias.
Deixe que se misture em seus gestos
que passeie pelas expressões dos seus sentidos.
Á noite, permita que se deite,
não a seu lado, mas sobre seu corpo.
Enquanto você dorme
a palavra plantada em sua carne
prolifera em toda sua possibilidade.
Se puder suportar a convivência
até não mais perceber a presença dela,
então você tem uma palavra limpa.
Uma palavra limpa é uma palavra possível.
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Viviane Mosé.
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sexta-feira, 5 de março de 2010

O Maestro...

Heitor Villa-Lobos, 1887-1959
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Hoje comemora-se os 123 anos de nascimento do compositor Heitor Villa-Lobos. O reconhecimento de seu talento subverteu a ordem comum a qual estamos estranhamente habituados, já que foi considerado ainda em vida, o maior compositor das Américas e o melhor compositor erudito brasileiro.
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Seu trabalho adquiriu características únicas por se utilizar de elementos populares e experimentais como base para suas composições eruditas.
.Compôs mais de 1000 obras entre Prelúdios, Valsas, Estudos, Sinfonias, Concertos, Óperas, Suítes, Choros e Corais. Destacam-se entre elas, as Nove Bachianas Brasileiras. A Tocata (o Trenzinho do Caipira) quarto movimento das Bachianas No.2, o Coral (O Canto do Sertão) e a Dança (Miudinho), ambos das Bachianas No.4 e a Ária (Cantilena), que abre as Bachianas No.5
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Cantilena, Bachianas Brasileiras No. 5, Bidú Sayão, 1945
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"Haverá ainda, no mundo, coisas tão simples e tão puras como a água bebida na concha das mãos?"
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Mário Quintana..
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quarta-feira, 3 de março de 2010

"o que fica nas palavras daquilo que se viveu?"

José Mindlin, 1914-2010
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"Num mundo em que o livro deixasse de existir, eu não gostaria de viver."
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Essa frase é do bibliófilo José Mindlin que faleceu no último dia 28.
.Mindlin que se dizia um "colecionador patológico", começou a formar a maior e mais relevante biblioteca privada do país aos 13 anos de idade.
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Acumulou mais de 40 mil volumes, parte deles, doados à Universidade de São Paulo em 2006, ano em que foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras.
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Admiro e entendo tamanha devoção.
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Adquirir o hábito da leitura por nenhum outro motivo que não seja o prazer de ler. Foi o que me ocorreu quando fiquei entediada com as figuras dos gibis e decidi que precisava entender o que se passava nos "balõezinhos brancos".
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Ter aprendido a ler aos três anos talvez seja a maior conquista da minha vida. Daquele momento em diante, nunca mais me senti completamente só. Existiam as estórias alheias e através delas poderia estar em qualquer lugar, ser qualquer pessoa, tendo a ilusória impressão de que continuava sendo a mesma.
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Ler é sonhar de olhos abertos e nunca se esquecer dos sonhos que teve.
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Voyage pittoresque et historique au Brésil, Debret, 1834-39
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A gravura compõe o livro "As Viagens Pitorescas de Debret" e faz parte do acervo digital da Biblioteca Brasiliana Guida e José Mindlin. O órgão da Universidade de São Paulo foi criado para abrigar a coleção doada pelo bibliófilo e sua esposa, a restauradora Guida Mindlin. Além da internet, os livros estarão disponíveis no prédio que está sendo construído no campus da USP.

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"Dos diversos instrumentos utilizados pelo homem, o mais espetacular é, sem dúvida, o livro. Os demais são extensão do corpo. O microscópio, o telescópio são extensões de sua visão e o telefone é a extensão de sua voz. Em seguida, temos o arado e a espada; extensões de seu braço. O livro, porém, é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação."
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Jorge Luis Borges.
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